terça-feira, 13 de julho de 2010

Roteiro Metodológico e Sentimental para uma Aula da Saudade

I. A Saudade, a Universidade e os Ritos de Passagem
Inicio relembrando os plurais da palavra saudade e faço distinção entre a saudade melancólica e a saudade afetivamente positiva. A primeira está ligada ao sentimento de perda, luto e melancolia; a segunda, ao sentimento do amor e da amizade. Convém transcender a dimensão da saudade minada pela tristeza e ressentimento, e recuperar a dimensão da saudade animada pela vontade de reencontro e reaproximação do outro. Por uma feliz coincidência: o tema da comunicação e a amizade estão na ordem do dia: exemplo disso é o Orkut funcionando como uma tecnologia da afetividade. Penso menos numa aula da saudade e mais na comemoração de um rito de passagem, fechamento e abertura de um novo ciclo. Cumpre entender a Universidade também como tempo de passagem, como experiência de iniciação. Da casa à escola, da escola ao aprendizado do mundo. É hora de trabalhar, fazer escolhas e tomar decisões. Penso na convergência do saber científico, o conhecimento comum e a sabedoria da vida para agilizar as competências nos modos de pensar, dizer e agir na esfera pública.

II. O campo da comunicação e as competências comunicativas

Relembro que o trabalho do comunicador-comunicólogo exige a concorrência de três aptidões e competências fundamentais: manter-se bem informado sobre os acontecimentos e suas múltiplas versões, empenhar-se numa postura de crítica (e autocrítica) e ao mesmo tempo manter-se atualizado nas leituras e interpretações dos fatos locais e globais. Tudo isso nos remete aos três pilares básicos que estruturam o campo da comunicação: a informação, a crítica e a interpretação.

1. A INFORMAÇÃO
O profissional de comunicação incumbido no dever de informar, tem a responsabilidade de usar bem o poder da informação. Cumpre escapar do funcionalismo acadêmico e se empenhar numa funcionalidade criativa. O desafio que se impõe é agilizar os termos de uma operacionalidade, apoiada num saber-fazer sensível aos paradoxos e complexidades do mundo. Convém sintonizar no sentido prático das palavras, imagens e sons, no sentido mais pragmático da comunicação. Interagir permanentemente e intercambiar dedução, intuição e aplicabilidade nas diversas áreas de atuação: no trabalho em jornal, vídeo, fotografia, cinema ou televisão, sem esquecer também aqueles animados pela vocação pedagógica. O trabalho eficiente do comunicólogo-comunicador é resultado do exercício politécnico e interdisciplinar. Falo das estruturas e do funcionamento da comunicação pensando no uso adequado das aptidões e as suas regras de funcionamento no mundo do trabalho, da vida e da linguagem.

2. A CRÍTICA
Parodiando Michel Foucault , penso no cuidado de si no uso dos poderes, mas também na função crítica e a faculdade de julgar. Convém distinguir o problema da Ética e da deontologia (ou seja, a ética profissional). Falo de uma certa modalidade de “temperança”, que remete ao difícil equilíbrio entre a “indústria cultural”, os donos das mídias e a vontade de poder. Driblando as moralidades pós-modernas convém fazer cumprir o papel da consciência e a função da responsabilidade. Penetrar-interagir nos processos de montagem e desmontagem dos mitos na vida cotidiana. Assimilando e atualizando as formas críticas e autocríticas (de Walter Benjamin , Umberto Eco e Muniz Sodré). Lançar-se para além do narcisismo dos jornalistas, dos acadêmicos e das personas midiáticas, desconfiando também de todas as simulações altruístas, fazendo a crítica e a autocrítica permanente no pensar e agir comunicacional. Realizar - sem medo - uma psicanálise do conhecimento, reconhecendo as suas quatro lições: a) ruptura, deslocamento, recorrência, vigilância intelectual. Mas, superar todas as dicotomias e seguir as transversalidades (como inspiração em Gilles Deleuze & Félix Guattari) . Do conformismo à resistência, da imitação à carnavalização (digerindo as sugestões estéticas do modernismo, tropicalismo e do Mangue-Beat). Escapar da síndrome das celebridades e atinar para uma ética profissional animada pela crítica, rigor e inventividade. Relembrando -sempre que possível- que a comunicação é sinônimo de amizade e de sociabilidade (cf. Ensaios, de Montaigne).

3. A INTERPRETAÇÃO
Cumpre mirar a linguagem como usina e vigoroso campo da significação. Percorrendo os domínios da semiótica e da semiologia. Contemplando a prosa do mundo e empenhado no trabalho da interpretação. Respeitando a objetividade do meio, ser perspicaz no exercício das formas de subjetividade. Reconhecer quando o dizer significar fazer. Pensar sempre em como fazer coisas com as palavras. Não esquecer que o comunicólogo-comunicador está empenhado à arte de formar opinião e despertar a percepção pública. Convém evitar o desgaste das palavras e superar o fantasma de uma linguagem pura; como estratégia metodológica, descobrir-desvelar os arquétipos escondidos nos clichês cotidianos. Adquirir (e renovar) constantemente os hábitos de leitura procurando sempre novos portais para expandir os limites da consciência. Atuar semioticamente na desmontagem e remontagem das mitologias (no mundo antigo e na sociedade de consumo). Fazer recorrência aos textos fundamentais, fazendo um mapeamento seletivo e como, exemplo, aponto: A ordem do discurso (Michel Foucault): para uma politização do discurso e da comunicação; Aula (Roland Barthes): para uma tomada de consciência da linguagem como uma segunda natureza; e (por último, mas não o pior), Os Escritos (Lacan): para aprender a ler nas entrelinhas, percebendo a força de sentido pulsante na linguagem do silêncio.
Assistir aos grandes filmes como se lê os grandes livros, pois eles também nos ensinam a pensar; exercer a arte de ler as imagens como se lê as palavras . Aceitar os presságios das conjunções “aparentemente” estranhas que desafiam a imaginação criativa: de Paulo Freire a McLuhan, de Matrix ao Show de Truman, do rap ao Mangue Beat e vice-versa. Permanentemente desconfiar do óbvio e das evidências: observar os modos como a verdade é sempre cuidadosamente construída. Explorar sempre o que há por trás dos efeitos de verdade. Cabe ao comunicador (jornalista, repórter, fotógrafo, cinegrafista) perseguir um conhecimento mais aproximado da verdade, em diálogo permanente com as lições da memória e da vida cotidiana.

III. Dos mistérios da comunicação à comunicação sem mistérios

Os comunicólogos-comunicadores exercem uma produção de sentido de olho nos bastidores e no cenário em que se constrói à “outridade de mundo”, o universo paralelo, a segunda natureza forjada pelos processos midiáticos (jornal, cinema, televisão) e já temos os instrumentos teóricos e conceituais numa vasta filiação de Eliséo Veron a Lúcia Santaella. O desafio que coloca para os profissionais de comunicação é lidar com a aceleração, a velocidade e a multiplicação de informação levando ao abismo da incomunicabilidade (um eixo temático visitado por uma vasta legião de pensadores, estetas e dramaturgos de Platão a Beckett). Manter os Olhos bem fechados para aquilo que ofusca, o excesso, a inflação de sentidos (como sugere Stanley Kubric). Reconhecer - enfim - quando o essencial é invisível aos olhos. Aceitar os termos de uma “ironia da comunicação” através de uma carnavalização e recontextualização das mensagens, nos termos de Henri-Pierre Jeudy e Mikahil Bakhtin . Superar-se no esforço de transcender e escapar do culto da última novidade. Pensar nas imagens levadas a sério (parodiando Arlindo Machado). Articular as artes e invenções do cotidiano, usando a imaginação criativa como um recurso ágil de comunicação frente às exigências de mercado. Enfrentar a globalização articulando as estratégias para entrar e sair da modernidade. Fazer uso eficiente das máquinas de comunicar: dos celulares à comunicação interativa; dos e-meios às listas de discussão. Dos vídeos experimentais à televisão interativa, dos laboratórios de comunicação à efervescência da praça pública. Concluo dizendo que tudo isso consiste em alguns exemplos - amistosamente - provocantes de “mídia radical”, estimulando novas estratégias de comunicação com base no afeto, confiança e competência comunicativa .

2 comentários:

  1. Notas: Para revisitar O campo híbrido da informação e da comunicação, acesse:
    http://bocc.ubi.pt/pag/paiva-claudio-campo-hibrido-informacao-comunicacao.pdf
    Para ler Michel Foucault – também - na perspectiva de uma crítica da comunicação, aceite as sugestões de Rossana Gaia: www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/
    Para sintonizar nas emanações da “aura” de Walter Benjamin e a Imaginação Cibernética, acesse aqui:
    http://bocc.ubi.pt/pag/cardoso-claudio-paiva-walter-benjamin.pdf
    Para uma exploração crítica da comunicação com base na filosofia pop de Deleuze e Guattari, consultar o artigo de GUGA DOREA, Gilles Deleuze e Félix Guattari. Heterogênese e Devir. In: http://www.pucsp.br/margem/pdf/m16gd.pdf#search='Deleuze%20Guattari'
    Para contemplar a conjunção luminosa propiciada pela arte tecnológica do cinema, pode visitar o tema da “Arte de Simbolismo”, na página Porto do Céu: http://portodoceu.terra.com.br/index.html
    Para conhecer Henri Pierre Jeudy, um bom iconoclasta das artes, da cultura do consumo, arquiteura e comunicação nas cidades, vide site: http://www.estadao.com.br/ext/frances/jeudy1.htm
    Uma referência à lógica da carnavalização popular de massa (numa apropriação particular de Bakhtin, veja o texto sobre a ficção televisiva TERRA NOSTRA, In: http://bocc.ubi.pt/pag/paiva-claudio-cardoso-terra-nostra.html

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  2. me senti com saudade, ainda que seja sempre aluna! :)***

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