terça-feira, 13 de julho de 2010

Roteiro Metodológico e Sentimental para uma Aula da Saudade

I. A Saudade, a Universidade e os Ritos de Passagem
Inicio relembrando os plurais da palavra saudade e faço distinção entre a saudade melancólica e a saudade afetivamente positiva. A primeira está ligada ao sentimento de perda, luto e melancolia; a segunda, ao sentimento do amor e da amizade. Convém transcender a dimensão da saudade minada pela tristeza e ressentimento, e recuperar a dimensão da saudade animada pela vontade de reencontro e reaproximação do outro. Por uma feliz coincidência: o tema da comunicação e a amizade estão na ordem do dia: exemplo disso é o Orkut funcionando como uma tecnologia da afetividade. Penso menos numa aula da saudade e mais na comemoração de um rito de passagem, fechamento e abertura de um novo ciclo. Cumpre entender a Universidade também como tempo de passagem, como experiência de iniciação. Da casa à escola, da escola ao aprendizado do mundo. É hora de trabalhar, fazer escolhas e tomar decisões. Penso na convergência do saber científico, o conhecimento comum e a sabedoria da vida para agilizar as competências nos modos de pensar, dizer e agir na esfera pública.

II. O campo da comunicação e as competências comunicativas

Relembro que o trabalho do comunicador-comunicólogo exige a concorrência de três aptidões e competências fundamentais: manter-se bem informado sobre os acontecimentos e suas múltiplas versões, empenhar-se numa postura de crítica (e autocrítica) e ao mesmo tempo manter-se atualizado nas leituras e interpretações dos fatos locais e globais. Tudo isso nos remete aos três pilares básicos que estruturam o campo da comunicação: a informação, a crítica e a interpretação.

1. A INFORMAÇÃO
O profissional de comunicação incumbido no dever de informar, tem a responsabilidade de usar bem o poder da informação. Cumpre escapar do funcionalismo acadêmico e se empenhar numa funcionalidade criativa. O desafio que se impõe é agilizar os termos de uma operacionalidade, apoiada num saber-fazer sensível aos paradoxos e complexidades do mundo. Convém sintonizar no sentido prático das palavras, imagens e sons, no sentido mais pragmático da comunicação. Interagir permanentemente e intercambiar dedução, intuição e aplicabilidade nas diversas áreas de atuação: no trabalho em jornal, vídeo, fotografia, cinema ou televisão, sem esquecer também aqueles animados pela vocação pedagógica. O trabalho eficiente do comunicólogo-comunicador é resultado do exercício politécnico e interdisciplinar. Falo das estruturas e do funcionamento da comunicação pensando no uso adequado das aptidões e as suas regras de funcionamento no mundo do trabalho, da vida e da linguagem.

2. A CRÍTICA
Parodiando Michel Foucault , penso no cuidado de si no uso dos poderes, mas também na função crítica e a faculdade de julgar. Convém distinguir o problema da Ética e da deontologia (ou seja, a ética profissional). Falo de uma certa modalidade de “temperança”, que remete ao difícil equilíbrio entre a “indústria cultural”, os donos das mídias e a vontade de poder. Driblando as moralidades pós-modernas convém fazer cumprir o papel da consciência e a função da responsabilidade. Penetrar-interagir nos processos de montagem e desmontagem dos mitos na vida cotidiana. Assimilando e atualizando as formas críticas e autocríticas (de Walter Benjamin , Umberto Eco e Muniz Sodré). Lançar-se para além do narcisismo dos jornalistas, dos acadêmicos e das personas midiáticas, desconfiando também de todas as simulações altruístas, fazendo a crítica e a autocrítica permanente no pensar e agir comunicacional. Realizar - sem medo - uma psicanálise do conhecimento, reconhecendo as suas quatro lições: a) ruptura, deslocamento, recorrência, vigilância intelectual. Mas, superar todas as dicotomias e seguir as transversalidades (como inspiração em Gilles Deleuze & Félix Guattari) . Do conformismo à resistência, da imitação à carnavalização (digerindo as sugestões estéticas do modernismo, tropicalismo e do Mangue-Beat). Escapar da síndrome das celebridades e atinar para uma ética profissional animada pela crítica, rigor e inventividade. Relembrando -sempre que possível- que a comunicação é sinônimo de amizade e de sociabilidade (cf. Ensaios, de Montaigne).

3. A INTERPRETAÇÃO
Cumpre mirar a linguagem como usina e vigoroso campo da significação. Percorrendo os domínios da semiótica e da semiologia. Contemplando a prosa do mundo e empenhado no trabalho da interpretação. Respeitando a objetividade do meio, ser perspicaz no exercício das formas de subjetividade. Reconhecer quando o dizer significar fazer. Pensar sempre em como fazer coisas com as palavras. Não esquecer que o comunicólogo-comunicador está empenhado à arte de formar opinião e despertar a percepção pública. Convém evitar o desgaste das palavras e superar o fantasma de uma linguagem pura; como estratégia metodológica, descobrir-desvelar os arquétipos escondidos nos clichês cotidianos. Adquirir (e renovar) constantemente os hábitos de leitura procurando sempre novos portais para expandir os limites da consciência. Atuar semioticamente na desmontagem e remontagem das mitologias (no mundo antigo e na sociedade de consumo). Fazer recorrência aos textos fundamentais, fazendo um mapeamento seletivo e como, exemplo, aponto: A ordem do discurso (Michel Foucault): para uma politização do discurso e da comunicação; Aula (Roland Barthes): para uma tomada de consciência da linguagem como uma segunda natureza; e (por último, mas não o pior), Os Escritos (Lacan): para aprender a ler nas entrelinhas, percebendo a força de sentido pulsante na linguagem do silêncio.
Assistir aos grandes filmes como se lê os grandes livros, pois eles também nos ensinam a pensar; exercer a arte de ler as imagens como se lê as palavras . Aceitar os presságios das conjunções “aparentemente” estranhas que desafiam a imaginação criativa: de Paulo Freire a McLuhan, de Matrix ao Show de Truman, do rap ao Mangue Beat e vice-versa. Permanentemente desconfiar do óbvio e das evidências: observar os modos como a verdade é sempre cuidadosamente construída. Explorar sempre o que há por trás dos efeitos de verdade. Cabe ao comunicador (jornalista, repórter, fotógrafo, cinegrafista) perseguir um conhecimento mais aproximado da verdade, em diálogo permanente com as lições da memória e da vida cotidiana.

III. Dos mistérios da comunicação à comunicação sem mistérios

Os comunicólogos-comunicadores exercem uma produção de sentido de olho nos bastidores e no cenário em que se constrói à “outridade de mundo”, o universo paralelo, a segunda natureza forjada pelos processos midiáticos (jornal, cinema, televisão) e já temos os instrumentos teóricos e conceituais numa vasta filiação de Eliséo Veron a Lúcia Santaella. O desafio que coloca para os profissionais de comunicação é lidar com a aceleração, a velocidade e a multiplicação de informação levando ao abismo da incomunicabilidade (um eixo temático visitado por uma vasta legião de pensadores, estetas e dramaturgos de Platão a Beckett). Manter os Olhos bem fechados para aquilo que ofusca, o excesso, a inflação de sentidos (como sugere Stanley Kubric). Reconhecer - enfim - quando o essencial é invisível aos olhos. Aceitar os termos de uma “ironia da comunicação” através de uma carnavalização e recontextualização das mensagens, nos termos de Henri-Pierre Jeudy e Mikahil Bakhtin . Superar-se no esforço de transcender e escapar do culto da última novidade. Pensar nas imagens levadas a sério (parodiando Arlindo Machado). Articular as artes e invenções do cotidiano, usando a imaginação criativa como um recurso ágil de comunicação frente às exigências de mercado. Enfrentar a globalização articulando as estratégias para entrar e sair da modernidade. Fazer uso eficiente das máquinas de comunicar: dos celulares à comunicação interativa; dos e-meios às listas de discussão. Dos vídeos experimentais à televisão interativa, dos laboratórios de comunicação à efervescência da praça pública. Concluo dizendo que tudo isso consiste em alguns exemplos - amistosamente - provocantes de “mídia radical”, estimulando novas estratégias de comunicação com base no afeto, confiança e competência comunicativa .

Conexões Latinas

Atualmente, num ambiente midiático tão farto e promissor, é preciso separar o joio do trigo e desconfiar da pesada indústria cultural de Hollywood, responsável por tantas maravilhas artísticas, mas também por derrapagens estéticas e ideológicas. Miramos o cinema espanhol, num momento solene em que O Jardineiro Espanhol, do brasileiro Fernando Meirelles, é indicado para concorrer como melhor filme no Festival Goya, considerado o “oscar espanhol”. Espreitando o cinema percebemos os paradoxos, as contradições, o vigor e a exuberância da cultura espanhola.
Falando em cinema espanhol, passagens obrigatórias são os filmes consagrados do mestre Luis Buñuel, cuja obra representa uma contestação dos dogmas repressivos do cristianismo, por exemplo, em Nazarin (1959), Viridiana (1961), Tristana (1970), e uma subversão radical dos valores burgueses, como se mostra em O anjo exterminador (1962), O discreto charme da burguesia (1972), O fantasma da liberdade (1974). Buñuel é um dos responsáveis pelo nascimento de um novo olhar sobre as artes, na sociedade industrial, através de um corte simbólico no olho ocidental, em Um cão andaluz (1930) e se manteve lúcido durante o grande susto da Europa com os atentados terroristas, a partir dos anos 70, como mostra a cena explosiva no final da película Esse obscuro objeto do desejo (1977).
As raízes ibéricas se revelam com grande força estética no cinema de Carlos Saura, um cineasta lendário, que se caracteriza pela narrativa alegórica traduzindo esteticamente as tensões dos “40 anos” de ditadura do General Franco (1936-1975), como mostram Ana e os lobos (1973), Cria Cuervos (1976) e Mamãe faz cem anos (1979). Contudo, o cinema de Saura não se restringe ao engajamento político; a magnitude de sua expressão estética se desvela nos processos intertextuais que promove, usando a música, o teatro e, sobretudo, a dança, conforme atestam Bodas de Sangue (1981), Carmen (1983), Flamenco (1995) e Tango (1998). A sua clarividência persiste aos 73 anos, como atesta o filme Buñuel e a mesa do rei Salomão (2001), uma homenagem aos grandes arcanos da cultura espanhola, na virtualidade de um encontro formidável entre Buñuel, Salvador Dali e Garcia Lorca.
Hoje, Pedro Almodóvar é certamente o cineasta mais prestigiado da Espanha. O seu primeiro filme - Luci, Pepi, bon e outras moças do bairro (1980) - coincide com o nascimento da democracia, num país marcado pela repressão católica, extremamente machista e patriarcal. Os seus filmes são ácidos e iconoclastas: Labirinto de paixões (1982), Maus hábitos (1983), O que fiz para merecer isto? (1984), Matador (1986), A Lei do Desejo (1987) são exageradamente kitsch, transgressivos e apresentam uma estética que incorpora o grotesco e o escatológico. Mas será com Mulheres à beira de um ataque dos nervos (1988) que vai ultrapassar o circuito alternativo e conquistar o mercado internacional, prosseguindo com Àtame (1990), De salto alto (1991), Kika (1993) e A Flor do meu segredo (1995). Segundo os especialistas do cinema e “fãs” da obra almodovariana, a partir daí, os seus filmes serão mais comportados, como indicam Carne trémula (1997), Todo sobre minha mãe (1999), Fale com ela (2002) e A má educação (2004); todavia Almodóvar persiste como o cineasta que deu uma sacudida no conservadorismo espanhol, colocando o país no mapa mundi globalizado da grande arte cinematográfica.
Contudo, existe uma “quarta geração” de cineastas espanhóis, como Alejandro Amenábar - oscar de filme estrangeiro com Mar Adentro (2004) - autor de filmes esplêndidos como o pós-moderno Preso na Escuridão (1997), que tem versão americana com Tom Cruise (Vanila Sky, 2001), mas o seu filme mais conhecido no Brasil é Os outros (2001), com a atriz Nicole Kidman. Há aqueles que, mesmo no contexto da globalização cultural, definem um estilo específico de arte e subjetividade (como Julio Meden, autor de Os amantes do círculo polar e Lúcia e o sexo). Encontramos também cineastas críticos, inconformistas, contestadores que assumem o seu métier como um exercício de arte engajada nas causas sociais (como Fernando León de Aranoa, enfocando o problema do desemprego no norte da Espanha, em Segunda Feira ao Sol). Convém lembrar igualmente os cineastas empenhados na politização do cotidiano, por meio de uma estética intimista (como Icíar Bollain, denunciando a violência contra a mulher, em Dou-te meus olhos). Há cineastas veteranos, que embora sem ocupar um lugar de destaque no mercado internacional, deixaram um trabalho vigoroso, como Víctor Erice, O espírito da colméia (1973) e o maldito Alex de la Iglesia, diretor de O dia da besta (1995), Perdita Durando (1997) e 800 balas (2002), autor de um cinema neogótico, escabroso, radical.
O fato é que o cinema espanhol parece estar “na ordem do dia”, como comprova o delicioso Albergue Espanhol (Cédric Klapisch, 2003), uma produção franco-espanhola, que desnuda o cotidiano de uma tribo de jovens de nacionalidades diferentes, partilhando uma comunidade estudantil, em Barcelona. O cinema espanhol “está na moda” não apenas pela nova constelação de astros e estrelas como António Banderas, Vitória Abril, Javier Barden, Penélope Cruz, Eduardo Noriega e Benício Del Toro, mas a própria cena espanhola está na tela, como mostra o filme O Lobo (Michel Courtois, 2004), decifrando astuciosamente a dimensão explosiva do ETA (Grupo Separatista Basco), no novo (des)concerto da Comunidade Européia.

Matei o tédio e fui ao cinema

Já ofereci muita resistência aos cinemas dos shopping por questões religiosas: antigamente eu ia à igreja do Bom Pastor e do Orfanato Dom Ulrico, em Jaguaribe, depois me libertei e fugi ao cinema, que devo confessar - salvou a minha cabeça! Então, o cinema funciona para mim como templo, terapia, lugar de fruição, catarse, doce ilusão de felicidade. Para minha surpresa, neste ano de 2006, o Oscar veio trazendo um rico repertório de filmes sensíveis e inteligentes. Ético, político, polêmico o evento desta vez se caracteriza pela conexão feliz da arte tecnológica, estética transcendental e liberação global das ideologias minoritárias. Começando pelo filme O segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee), estranhamente denominado na mídia burra e homofóbica como um faroeste gay, trata da dificuldade das relações humanas e me parece uma exaltação das forças dionisíacas da natureza (não é à toa que o seu slogan seja “o amor é uma força da natureza”); então, foi merecido o prêmio de melhor direção na festa do Oscar. Em seguida, o magnífício Crash, no limite (Paul Haggis) de fato foi a grande surpresa, tratando do problema da incomunicabilidade numa cidade gelada e fascista como Los Angeles. Em cena se focalizam as questões da intolerância e do racismo com as interpretações irrepreensíveis de Sandra Bullock, Don Cheadle, Thandie Newton, Ryan Phillippe, Matt Dillon e Brendan Fraser. Cumpre registrar a atuação brilhante de Philip Seymour Hoffman, em Capote (Bennet Miller), incorporando o cínico e genial jornalista americanoTruman Capote. Colírio para os olhos o belo “documentário” (?) francês A marcha dos pingüins (Luc Jacquet), alertando o mundo para uma espécie em vias de extinção, em seu longo trajeto migratório do seguro oceano até às terras gélidas da Antártida. Que pena que o impactante filme Munique (Steven Spielberg) tenha ficado tão pouco em cartaz: em tempos cruéis da paz armada e dos terrorismos em meio à guerra dos fundamentalismos de mercado (regido pelo nefasto Bush Jr) e religioso (orquestrado pelos muçulmanos radicais), o filme alerta para o perigo da destruição total da raça humana. É possível entender como o movimento punk tenha nascido numa cultura tão troncha e excludente como aquela da aristocracia inglesa, logo, palmas para a nova adaptação brilhante no romance de Jane Austen, no filme Orgulho e Preconceito (Joe Wright), desnudando com ironia e sensibilidade a crueza dos racismos anglo-saxônicos (tão longe e tão perto). Bastante interessante de ver como se constroem as tramas do denuncismo, da paranóia e do medo de tudo aquilo que parece novo e ameaçador no filme Boa Noite e Boa Sorte (George Clooney), mostrando ainda como é necessário ter coragem nos tempos sombrios, uma representação fantástica dos tristes anos do macartismo, tão parecidos com as tramas políticas atuais do conservadorismo querendo desestabilizar o princípio democrático no Brasil. Entretanto nada parece se comparar ao extraordinário filme brasileiro Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Gomes), mostrando a ternura e afetividade no encontro de dois seres humanos de mundos diferentes, com a interpretação fabulosa de João Miguel e com destaque para a fotografia iluminada de Mauro Pinheiro. E, mais do que nunca é preciso astúcia para aprender a entrar e sair da melancolia dos shopping centers, então vale à pena ir ao Centro de Ciências Humanas Letras e Artes - UFPB - na quarta 29, quinta 30 e sexta feira 31 deste mês para assistir no auditório 412 aos filmes Menino de Engenho (Walter Lima Junior), O Menino e a Bagaceira (Lúcio Vilar) e o imperdível Abril Despedaçado (Walter Salles), além dos filmes experimentais realizados pelos novos comunicólogos egressos do DECOM-UFPB. Logo, vale à pena matar o tédio e ir ao cinema, driblando a rotina repetida do cotidiano e experimentando novas sensações para passar os dias de chuva.

Raízes e antenas do Brasil

Encontramos, nos anos 60, uma prática cultural jovem, engajada no mito revolucionário das transformações sociais e impulsionada pela ideologia de uma cultura nacional e popular, cujos emblemas mais tocantes são o teatro de protesto, cinema novo, uma estética do realismo social.
Depois, nos anos 70, podemos observar a estratégia de uma produção cultural alternativa, que se expressa através do jornalismo, da literatura, uma estética da contracultura resistindo à institucionalização da cultura promovida pelo Estado, sob os auspícios do regime militar. Neste período, temos a expansão dos meios de comunicação e da cultura de massa.
No que concerne aos anos 80/90, percebemos a disseminação de uma recusa geral das estratégias ético-políticas dos anos precedentes, assim como o deslocamento das noções e conceitos que, no Brasil, foram utilizadas para compreender as particularidades da cultura e da sociedade.
A interpretação das relações entre cultura e sociedade, no Brasil, nos anos 60, buscou explicar o que pareciam ser os problemas fundamentais do país, a saber, as formas de exercício do poder econômico, político e cultural pelo "imperialismo norte-americano" e, as formas de controle e dominação internas pelo Estado e pelas "classes dominantes". Os sujeitos destes agenciamentos não puderam fazer a sua auto-crítica e reavaliação, uma vez que a censura sobre a produção cultural lhes interditou. Ao longo dos anos 70, as pesquisas são centralizadas através de uma linguagem indireta, mais formalizada, cuja orientação estruturalista se fez marcante. Podemos reconhecer que a leitura social do Brasil, naqueles anos, nortearam-se em torno dos grandes sistemas, suas noções, conceitos e dicotomias (ideologia, Estado, História, classes sociais...). De uma maneira diferente, percebe-se que as preocupações das gerações dos anos 80/90, dirigem-se a partir de outras orientações: a crítica social, informada pelos conceitos e noções, tais como consciência social, alienação, engajamento social da arte... parecem não se sustentar na dita "era da informação".
O desenvolvimento do país, os novos estilos das relações sociais (inclusive os modos de integração e exclusão), a globalização e nova desordem das tribos urbanas conduziram as interpretações da sociedade e da cultura rumo à outras perspectivas, entre as quais, um olhar mais detido sobre o imaginário coletivo, como uma maneira de compreender as imagens, mitos e símbolos que reafirmam os laços entre os atores sociais. Nos anos 80/90, as pesquisas sobre a mídia, o jornalismo, a publicidade, a ficção das telenovelas, os shopping centers e as novas tecnologias, por exemplo, tornaram-se os objetos de interesse para vários pesquisadores, que desejam propor um novo enfoque sobre as culturas do cotidiano.
Desde os estudos sobre o Brasil colonial até as obras mais recentes, encontramos várias maneiras de estimular um debate. O país dos trópicos, das mestiçagens, da luta de classes, da carnavalização, dos paradoxos da modernização, "o Brasil real e simulado" é um conjunto de imagens construídas pelos intérpretes que tentam estabelecer uma leitura transparente da cultura. A mistura étnica, que provém do encontro entre índios, africanos e povos europeus, é com efeito o que estrutura a forma das artes, da cozinha, do ritmo, dos afetos e do emocional coletivo, uma realidade multiforme que torna difícil a apreensão de uma única identidade brasileira. Negro, branco, índio e mestiço, rico e pobre, machista e patriarcal, católico e pagão, simples e complexo... são diversas as fontes de identificação deste país, cujo povo não perde o entusiasmo, apesar de todas as adversidades. O Brasil chega às vésperas do século XXI, deslocando-se entre as economias mais desenvolvidas do planeta, produzindo tecnologias de ponta, uma das televisões mais ousadas do mundo, uma criação artística muito rica e, em contrapartida, muitas contradições.
Os anos 60/70 nos parecem referenciais de uma experiência que abriu o campo para uma reflexão sobre as condições de emancipação da sociedade e da cultura; esta experiência pode ser compreendida se levarmos em conta as condições sociais que a tornaram possível e o espírito do tempo que a engendrou. Poderíamos dizer que o engajamento social e a militância política, o discurso de protesto e a guerrilha urbana forjaram o lado prometêico do Brasil nos anos 60/70, enquanto que a música, as mensagens do amor livre e o retorno à natureza traduziram a emergência das pulsões dionisíacas. A geração jovem daqueles anos realizou a experiência de uma estética rebelde, através da qual podemos perceber uma ética que revigorou a sociedade fatigada dos seus valores anacrônicos. Não podemos compreender o Brasil dos anos 70, desconhecendo que as atividades lúdicas, o culto do prazer criaram a estética tropicalista, uma estratégia inteligente e atenta às raízes do Brasil, mas também com as antenas ligadas à atualidade.
O psicodelismo, a irreverência, o misticismo, a vida em comunidade foram os fundamentos dos discursos rebeldes que se opuseram aos discursos autoritários, assim como uma passagem para outra forma de sociabilidade. A explosão do rock, a universalidade juvenil da cultura pop, ao lado das expressões do tropicalismo (a versão brasileira da contracultura) foram uma espécie de cimento para esta experiência. "A inscrição da contracultura no Brasil se fez táctil, visual, musical e, sobretudo, estética: seu nome era tropicália ou tropicalismo. Seu fundamento estético se encontra na utilização e recuperação dos produtos da cultura de massa. O movimento se nutriu do deslocamento dos paradigmas racionais da crítica de arte. A estética do tropicalismo tentou absorver as contradições dos trópicos e mostrar seu verdadeiro rosto. O intuito era destruir os falsos mitos e profanar as relíquias que lhes eram associadas, através do procedimento de carnavalização, misturando o candoblé, o rock, o folclore da América Latina e as novas tecnologias. A tropicália soube, então, compor uma face multiforme que não aderia mais aos esquemas cristalizados da cultura. Propôs uma outra leitura do Brasil, que a percepção estética convencional julgava cafona, atrasada e de mau gosto". Misturou os signos da indústria cultural e os emblemas da tradição brasileira de uma maneira tão forte que deslocou o debate nacional do plano político ao plano de uma estética (literatura, música, cinema) transcendental. Hoje, as imagens dos anos 60/70, em sua versão prometêica e suas promessas de felicidade escondida no futuro, fazem parte do museu imaginário, dos inventários e visitações históricas. Por outro lado, uma vez que foram aquecidas pelo fogo da transformação da música, das paixões coletivas e da natureza, aqueles anos, em sua versão dionisíaca, revelaram os signos que encontram ainda hoje a sua recepção no imaginário social.
Desde os modernistas (da Semana de Arte Moderna, 1922) passando pelos concretistas, os tropicalistas e o universo barroco na ficção das telenovelas, temos um percurso curioso: a inversão dos valores, a mistura dos estilos da linguagem oral e escrita, a preocupação com a visualidade são instâncias permanentes na história da cultura brasileira, as quais definem o fenômeno conhecido por carnavalização. Esta atitude estética encontra as suas raízes na tradição popular, na excitação do mundo de ponta à cabeça no mês de fevereiro, na apreensão dos modelos estrangeiros e sua adaptação à moda da casa, assim como na atualização do arcaico no curso das práticas cotidianas, encontramos este recurso que faz parte do repertório do país.
A diversidade faz a dinâmica dos traços barrocos da cultura brasileira, na qual as razões e paixões do cotidiano nacional foram sempre projetadas nos domínios do saber, da arte, das religiões e da política. Desde o século XVI, de Gregório de Matos, o Boca do Inferno, até às alegorias carnavalescas de Joãozinho Trinta e à poética das canções de Caetano Veloso, Titãs e experiências musicais Mangue Beat reencontramos a irrupção desta sensibilidade.
As tecnologias audiovisuais no Brasil, notadamente no campo da produção ficcional, potencialmente têm os meios de redimensionar esta experiência estética, permitindo uma tradução multiforme da realidade. Partimos do pressuposto que a mídia, insere-se num contexto social de significação ambígua. De um lado, a mídia se apresenta como um fenômeno que possui imagem análoga ao personagem mítico de D.Juan (na medida que é vetor de sedução das massas), mas por outro lado, identifica-se com a imagem estereotipada de Pavlov (e a teoria do reflexo condicionado). Entretanto, no que respeita ao pólo da recepção, além das imagens de D. Juan ou de Pavlov, podemos perceber que a mídia sofre também a ação exercida pelo público. O feed back pode ser apenas um dispositivo de audiência, mas pode ser visto também como um indício do que se passa no campo de recepção das massas. Mesmo que a televisão difunda as imagens do real de maneira maquiada, no contexto de complexidade da cultura brasileira, a mídia é um vetor de oxigenação. No que respeita aos negócios da comunicação, no momento nos interessamos por uma reflexão que interroga sobre como estabelecer os termos de uma compreensão que pudesse equilibrar as instâncias da indústria das imagens da mídia, do imaginário coletivo e da imaginação criadora.

As gerações informadas pela comunicação tradicional têm uma compreensão específica do real, que se distingue daquelas informadas pela comunicação audiovisual. No que concerne à geração do multimídia, da Internet ou da realidade virtual, é preciso admitir que nos encontramos face a um fenômeno sociocultural novo, diante do qual não podemos utilizar as mesmas medidas, tomadas como referência para entender o trabalho de criação das gerações precedentes.
A cidade das letras, habitada pelo homem tipográfico, informado pela linguagem verbal, interage com a cidade das imagens, habitada pelo homem midiático, o qual é sensibilizado pelas novas tecnologias da imagem e da comunicação. É um fenômeno geral que se inscreve na realidade sociocultural e faz parte, doravante, do conjunto das questões éticas e estéticas da sociedade contemporânea: tal fenômeno solicita uma investigação mais cuidadosa, atenta ao mínimo-múltiplo-comum da cultura do atual e cotidiano.
As novas tecnologias da informação e da comunicação (inclusive a produção de livros, discos, filmes, cassetes, CDs...) difundem uma estética que toca a sensibilidade das camadas sociais e se torna virtualmente um vetor de conhecimento. A comunicação intermidiática nos estimula a repensar a formação do imaginário social numa outra perspectiva, absolutamente diferente daquela que põe em evidência a comunicação verbal.
No contexto da cultura midiática podemos encontrar algo que se conhece na teoria da literatura por intertextualidade ou interdiscursividade, isto é, uma proposta de comunicação que abre caminho para o diálogo entre diferentes gêneros discursivos, logo, um novo espaço para a produção de sentido. As imagens que compõem os textos de escritores como Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Jorge Amado, por exemplo, chegam às novas gerações através de múltiplos códigos de linguagem. As obras dos autores brasileiros de vulto são captadas pela sensibilidade do público comum por intermédio da mídia eletrônica, que pode ser bem criativa.
O diálogo simultâneo entre os códigos de linguagem do teatro, do cinema, da literatura e do vídeo abrem as portas para a descoberta de novas visões e experiências do mundo. Assim, uma geração que começou a tomar contato com a arte pela televisão, chega a descobrir obras importantes como Dona Flôr e seus Dois Maridos, Grande Sertão, Veredas ou Os Sertões. O fenômeno intermidiático, de contemplação das imagens do mundo, tem lugar através de múltiplas janelas de maneira simultânea. Do livro à tela, dali ao vídeo, o retorno ao livro e vive-e-versa são vários os caminhos possíveis, muito prazer para o público, escolhas e utilizações importantes por parte do usuário que não se pode ignorar.
Além das ideologias e mitologias de cada época, as sensibilidades dispersas no tecido sociocultural se reconhecem nas imagens, signos e linguagens que constituem as formas específicas da sociabilidade. Atualmente, uma tal comunhão se faz pela comunicação e cultura midiática.

Os resíduos da cultura regional, da cultura nacional-popular e da contracultura tornaram-se a substância da cultura de-massas do século XX. As sombras da vanguarda, recicladas com as sobras da retaguarda, são doravante um produto de marketing, produto de comunicação, e em breve serão imagens virtuais da cibercultura. A música urbana, as teledifusões piratas, os videoclipes e as telenovelas são referências para compreender esta cultura em agitação, em pedaços, que revela aspectos da realidade brasileira do atual e cotidiano. As novas gerações dos anos 80/90 descobriram o mercado cultural como canal de divulgação da sua produção. Elas utilizam um código, marcado pela pluralidade, que invade as redes de comunicação em conexão simultânea com diferentes gêneros de linguagem; assim se aproximam da idéia de obra de arte total.
Nas ondas do rádio explodem o som e a fúria da música urbana (rock, reggae, rap, new age, afro-musique...) o hibridismo dos estilos impõe uma nova dimensão ao ritmo brasileiro, que não se reduz ao samba e à bossa nova. As revistas, os livros de bolso, as histórias em quadrinhos, o grafismo dos jornais traduzem -ao mesmo tempo- a reciprocidade entre a nova produção editorial e os novos estilos de linguagem, as novas formas de comunicação e de sociabilidade na paisagem sociocultural. As rádios e tevês piratas que bem humoradas, tentaram quebrar o monopólio das telecomunicações, tornaram-se também expressão do estouro da cultura, dentro e fora da globalização cultural. Como o rock, em todas as suas variações (inclusive o mangue beat e as novas versões do pop), não são vetores da cultura popular (no sentido convencional), não são também dispositivos da cultura erudita e nem são mais expressões da contracultura. São paradigmas de fenômenos que projetam as formas de transfiguração do político, da ética e estética, e expressam os novos modos de tribalização do mundo.
Na aparente dispersão dos estilos e linguagens que animam a comunicação cotidiana, encontramos uma via para a compreensão do imaginário social.
Além dos clichês, das ideologias e dos slogans publicitários do país do carnaval e do futebol, existe qualquer coisa de vivo e pulsante na história recente da cultura brasileira, onde os atores sociais não perdem a esperança e o humor. Multiplicando todos os jogos de linguagem do mercado, do Estado, das instituições, da mídia e dos seus simulacros, ultrapassam, no cotidiano das cidades, as fronteiras entre o regional e o universal, fazem a festa e ritualizam a mitologia dos carnavais, malandros e heróis. A mídia não cessa de tentar lhes seduzir; os números e as estatísticas os atravessam sem lhes tocar, os conceitos monológicos de cultura regional, nacional, popular ou de massa, apenas lhes fazem rir. Uma leitura dogmática da sua realidade social é derrisória, no que concerne à potência dionisíaca das "maiorias ruidosas". As lutas de classes, de corpos e anti-corpos, a guerra das cores na publicidade, no futebol e no carnaval de todas as religiões são elementos dinâmicos no imaginário brasileiro que resta ainda por se traduzir, dentro e fora do vídeo. Lembremos ainda que o signo mais marcante desta realidade social parece ser de assimilar e depois quebrar todos os discursos de certeza e de totalização científica, institucional ou midiática. Entre a força do dionisismo brasileiro e a compreensão das formas do seu imaginário social, qual é o parâmetro epistemológico a seguir? Entre a razão prática e uma escolha antropológica atenta à comunicação social, parece-nos que, a despeito das ilusões que ela veicula, a construção midiática da realidade brasileira é também uma maneira de se aproximar do corpus e anti-corpos do imaginário coletivo.

A Poética das Mídias Sonoras

Desde a era dourada do rádio até as mídias sonoras digitais, mais recentes, vislumbramos um longo itinerário em que as estratégias da criação artística têm se empenhado em difundir imagens acústicas assegurando o vigor das comunidades virtuais. Na espessura do acontecimento diurno nos religamos a uma tribo fenomenal de indivíduos reunidos a partir das notícias radiofônicas; e na dimensão noturna do acontecimento, sonhamos ligados nas ondas irradiadas pelas mídias musicais. É assim que funcionam as relações dos homens e mulheres com os efeitos da comunicação sonora. A radiofonia opera como motor gerador de informação, conhecimento, vinculação social, lazer e entretenimento; promove imagens invisíveis, fantásticas, que nos faz transcender à rotina imanente das ações cotidianas. Ontem, eram os rádios portáteis nos campos de futebol, os rádios de pilha na dimensão caseira e a doce ilusão das radionovelas, os reclames publicitários fazendo parte dos jargões e gírias dos jovens e corações veteranos, e o alvoroço dos programas de auditório siderando as platéias pré-televisivas.

A Mídia e o Olho Grande da Política.

Eu me lembro que a Professora Josefina Ayres, no Colégio X, nos anos 70, alertava-nos para o pecado do olho grande, como metáfora da cobiça, inveja, ambição desmesurada. Hoje, nos tempos da política midiatizada, dos mensalões e da tela total, observo a televisão como um tipo de controle e monitoramento que a sociedade dispõe com relação à vida pública dos políticos profissionais. De repente, quando assistimos às denúncias do mensalões, dólares nas cuecas, dízimos mercantilizados, tudo leva a crer que vivenciamos uma experiência de “transparência total”. Mas ao mesmo tempo, convém perceber que a mídia tem o poder de ver e de mandar ver: a tv enquadra, recorta, agenda e mo(n)stra o “mundo real” da maneira como bem pretende. Então, o olho grande da mídia, a serviço dos poderosos, pode também manipular a realidade dos fatos. Mas se a mídia é poderosa, ela não pode tudo. Ela tem as condições técnicas e ideológicas de ocultar e de revelar as virtudes e os vícios dos políticos; porém, na época das tecnologias audiovisuais, das mídias portáteis, digitais e interativas, cada cidadão, dono do seu próprio “olhinho grande”, munido de suas microcâmeras, lap top, canetas e microfones espiãos, tem a chance de realizar a sua própria mediação. Cada um de nós hoje – com ou sem diploma de jornalista – detém o poder de registrar e divulgar as evidências gritantes da vida política nacional. Logo, a pergunta que não quer calar é: “quem manipula quem?” na Idade Mídia, na era da visibilidade total.
De norte a sul do país, em níveis locais e globais, todas as coisas políticas são vistas pelo olho grande da televisão: do coronelismo eletrônico (do mal), até as estratégias inteligentes dos blogueiros (do bem), nada parece escapar ao olhar dos internautas, e-leitores e cidadãos. Mas o grande risco gerado pelos escândalos políticos midiatizados é a possibilidade de se disseminar o desinteresse geral pela experiência política. E a primeira regra que se aprende nas aulas de Comunicação e Cultura Política é que “Ou voce cuida da política ou a política cuida de você”. Assim, relembro Voltaire, que falava na democracia como a “felicidade do jardim público”, e hoje, na era da “democracia virtual”, precisamos cultivar melhor o nosso jardim; fico pensando.

A prosa caótica da cibercultura

“A linguagem é a morada do ser”. Essa é uma frase de Heidegger, filósofo alemão, crítico da técnica (e da tecnologia), vista como uma forma de limitação do ser humano. Idiossincrasias dos pensadores, à parte, observamos que na ambiência tecnológica gerada pelos meios de comunicação, pelas novas mídias, disseminam-se novas gírias, jargões, vocabulários, linguagem que traduzem as sensações, percepções e sacadas dos indivíduos. Foi assim na era do rádio, no século do cinema, no tempo forte da televisão e hoje, não poderia ser diferente com a internet e as hipermídias que infestam o cotidiano. Em meio aos jogos de linguagem do ciberespaço novas expressões ganham forma excitando a imaginação criadora e vigilante dos contemporâneos. Fio terra, placa mãe, pós-humano, tempo real, segunda vida, terceira dimensão, universo on line etc são vocábulos, noções e imagens conceituais que nos remetem a uma outra noção de natureza, levando-nos a pensar como “o artificial se tornou o natural”, em nossos dias. Basta passear pelos shopping-centers, aeroportos, hipermercados, megastores, cibercafés para experimentar essa sensação de que habitamos um outro mundo. Mas convém observar que as linguagens e experiências mais recentes são impregnadas pelas imagens arquetípicas, ancestrais, remotas que orientam os homens e as mulheres desde os tempos primordiais. Essa é uma regra da antropologia que não podemos esquecer. Então para se entender o novo, convém prestar atenção para a potência das imagens antigas, tradicionais, assim como para entender o passado, é preciso se orientar pelas lentes do novo, como dizia o filósofo alemão Walter Benjamin, estudando a literatura, as tecnologias do seu tempo e as formas culturais que lhe foram contemporâneas. Para além da tecnofobia e da tecnolatria, cumpre compreender que sempre o que está em jogo são os seres humanos com tudo o que eles representam de pureza e perigo. Hoje, quando o mundo inteiro se volta para as preocupações ambientalistas, ecológicas – em suas dimensões locais e globais – entendemos que os (pós)humanos começam a despertar para a necessidade de equilibrar as suas relações com o mundo social e cósmico, o mundo natural e com a sensibilidade tecnológica que nos rodeia. Tudo isso passa pelo crivo da linguagem, pois esta experiência fundamental é o que nos permite a autonomia e liberdade necessária para nos situarmos face à outridade do mundo. Para além das profecias apocalípticas do cinema de ficção, no filme “2012”, fiat lux, em meio ao caos e ao excesso da linguagem no ciberespaço, uma nova ordem se configura; algo está acontecendo: os (pós)humanos estão despertando para a importância do pulsar equilibrado do planeta.

Os avatares e outras mitologi@s

A palavra Avatar, do sânscrito, tem um sentido metafísico: refere uma entidade que “baixa” na terra. Hoje, sua versão se atualiza na cibercultura e na realidade virtual do cinema 3D, tornando-se parte integrante do vocabulário das tribos plugadas nas artes tecnológicas do século XXI. E das mitologias de nossa hipermodernidade.
O filme Avatar (James Cameron), antes de qualquer coisa, é uma obra de arte – no gênero e sua potência estética e mitológica só encontra paralelos, em títulos como Metrópolis, Blade Runner e Matrix, cada um deles sendo uma referência fundamental para três gerações distintas de cinéfilos. Vejo Avatar para além do princípio da ficção científica e das ideologias de direita e esquerda. No contexto do grande painel pós-colonialista, além de ser um deleite para os olhos, a película registra uma semiótica de cunho político e ecológico bastante original. Primeiramente, desta vez, os humanóides é que são os invasores, bélicos, cruéis, predadores e após o aniquilamento do planeta Terra se aventuram numa odisséia pelo planeta Pandora, signo emblemático de uma mitologia antiga: a caixa de Pandora aberta traria de volta todos os males e infortúnios do mundo. Aqui se trata de uma metáfora do mundo natural (a floresta amazônica?) povoada por seres híbridos, em parte são clones dos humanóides, em parte são felinos, mas criaturas com formas humanas, peles azuladas e com dimensões gigantescas, lutando em defesa da vida, enquanto os humanos buscam colonizar o seu planeta (à procura de petróleo?).
O filme deve agradar tanto os teen agers quanto os seniors amantes do cinema, dos games, das HQ, das Grafic novels; porém, sua grandiosidade advém da extrema beleza visual e dos efeitos especiais, em 3D, postos a serviço de uma estória sublime, pois no centro da cena esta a Mãe Natureza, metaforizada pelo signo do ecossistema natural. Mesmo que, possa ser visto de maneira melodramáticas, como aliás o Titanic (outra obra de Cameron, o filme mais caro da história), Avatar demarca um matiz de afetividade, sinalizando a grandeza do amor nos tempos da cólera (amor entre os seres e amor à natureza).
Tem arrecadado bilhões de dólares no mundo inteiro (sabe-se que a indústria de Hollywood não brinca em serviço e deve arrebatar vários oscares); todavia, a sua força poética reside em colocar a tecnologia a serviço da expressão artística e não ao contrário. E convém atentar para uma pequena e importante diferença: Avatar parece se constituir num filme futurista, mas ele – sobretudo - atualiza (e antecipa) as sensações de todos nós pós-humanos imersos numa realidade virtualizada que nos fascina e nos assombra. Fala de segunda pele da cultura e seduz, principalmente, pela audivisibilidade de nossas representações (ou antes simulações), nossos desejos, medos, pedaços de horror e felicidade, em meio às máquinas de pensamento, de linguagem e de ação. Avatar é a expressão mais concreta de nossa outridade; arte e simulacro dos nossos sonhos e de nossas expectativas mais secretas.

Mídia, beleza e calamidade

O que hoje chamamos de mídia nasceu como jornalismo, após a invenção de Gutemberg (sec. XV), e a sua força de propagação é tamanha que foi peça chave no âmbito das revoluções marítimas e comerciais (sec. XVI e XVII), revolução francesa (sec. XVIII), revolução industrial (sec. XIX) e a revolução russa (sec.XX). Hoje, mídia é TV e é parte de um processo ligado às experiências de veiculação da informação, divulgação de conhecimento e aproximação das diferenças sociais. A mídia está atrelada às forças econômicas e políticas. E, sendo a TV uma arma forte, os “donos (gestores) da comunicação”, agendam os acontecimentos que podem se tornar notícias, decidindo o que se pode ver e como se pode ver. Logo, tudo aquilo que se difunde na TV está subordinado à logica econômica e política, e isto envolve – simultaneamente - as imagens sublimes e grotescas que contemplamos diariamente nos telejornais.
O telejornal é movido pela vontade de neutralidade, mas também é movido pela vontade de poder; ou seja, para ganhar mais, poder mostrar mais e vencer a concorrência, faz uso do sensacionalismo, isto é, sem tempo para pensar, penetra nas entranhas dos “fatos”, das pessoas e dos cadáveres para ganhar a audiência. Faz isso não por maldade, mas porque na mídia tempo é dinheiro e a TV não tem tempo a perder. Não tem tempo para pensar, nem fazer pensar: essa é a parte burra (e emburrecedora) da TV.
Desde o tempo de ouro do jornalismo impresso, o noticiário é movido pela lógica do “furo”, que faz a glória dos jornalistas. E hoje, na era da dromologia, tempo da aceleração e da velocidade, a mídia precisa capturar o acontecimento em tempo real, mas sabe-se que a pressa é inimiga da perfeição. O 11 de setembro, a Guerra do Golfo, os desastres aéreos, as Tsunamis e mais recentemente o terremoto no Haiti são calamidades que servem de matéria prima para o furo jornalístico, espetacularização da notícia e sensacionalismo da TV. Todavia, cada telespectador pode contemplar as imagens de uma outra maneira, dependendo da maneira como faz uso do seu tempo. Há o tempo cronológico (derivado do Kronos devorador), mas existe o tempo do Kairós (tempo de plantar e colher, tempo da pulsação, tempo da vida natural). Em meio às calamidades, como no Haiti, atentos às imagens-tempo de solidariedade, compaixão e generosidade, podemos superar as imagens de horror, e compreender a parte doce e nobre dos afetos humanos, a parte de beleza da televisão.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O cheiro do cinema

O filme Perfume, adaptação do best seller de Patrick Süskind, por Tom Tykwer, é uma lufada de vento no ar rarefeito da cultura global. Sendo uma produção da Alemanha, Espanha e França, é transcultural, universal e fala às profundezas da alma do Ser. É inquietante, subversivo e original. O personagem Jean-Baptiste Grenouille (Ben Wishaw) nasceu rejeitado, na podridão, num mercado de peixe, mas seu choro faminto, estarrecedor, denuncia a mãe desumana, que o abandonara, levando esta a ser presa e enforcada; o primeiro golpe de Grenouille (rã, em francês). Ele cresceu no inferno de um orfanato e logo cedo descobriu o seu dom extraordinário para sentir os cheiros do mundo. O “acaso” o leva a ser aprendiz na perfumaria de Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), que vê a sua loja prosperar com a invenção de novos aromas. Jean-Baptiste se orienta na vida pelo olfato e sendo extremamente carente e ambicioso deseja conquistar todos os aromas do mundo. Logo, torna-se um assassino porque sem chance de atrair outro ser humano, uma mulher bonita, exerce a sua vontade de poder e de conquista através do crime: mata belas moças para retirar-lhes o cheiro e assim produzir uma fragância universal a partir da essência feminina.
O enredo é altamente subversivo porque numa cultura como a nossa, minada pelo sentido da visão, chama a atenção para o olfato como uma forma de orientação no mundo. É transgressivo ao nos reportar simbolicamente à nossa natureza selvagem e predatória, a vontade de matar e assim nos presta um grande serviço, amenizando as pulsões violentas, através de uma catarse que só a grande arte pode proporcionar.
É um filme lúcido na maneira como apresenta o indivíduo elevado à condição de mito, como alguém que se distingue dos outros mortais e por isso passa a ser idolatrado, mesmo sendo um assassino.
A trama de Perfume se desloca da região do lúgubre, dos crimes abomináveis e nos remete ao êxtase, à transcendência e ao maravilhoso, libertando - simbolicamente - os indivíduos presos a uma teia social e normativa, minada pela miséria e o sofrimento, e criando uma grande imagem mítica, uma epifania formidável da humanidade irrigada pela comunhão universal, dos corpos humanos numa orgia solidária, cósmica, transcendental. Representando um mundo sem sentido com ares medievais - algo similar ao cotidiano da nossa idade mídia - o filme Perfume se utiliza de um realismo fantástico que nos arrebata todos os sentidos. E a sua metáfora terminal, em que Jean Baptiste Grenouille, de volta ao lixo em que foi gerado, é despedaçado pelos seus semelhantes, alucinados pelo odor mágico, maravilhoso. Relembrando a filosofia antiga, ocorre nos refletir como sempre a cultura mata tudo aquilo que ela não pode absorver; também por isso, Perfume é um grande filme que nos deixa pensando.

sábado, 10 de julho de 2010

A metástase do crime - O caso Bruno

Nas manchetes midiáticas mais um crime é espetacularizado à exaustão. Notícia criminosa é um produto valorizado no mercado global da informação. As narrativas acerca do famigerado ocorrido, nomeado na imprensa como “O caso Bruno”, apoiam-se basicamente em três regimes sinistros: o espedaçamento, a duplicação e a metástase do acontecimento. Entre o fato e as suas versões, verifica-se a produção de um conjunto complexo de enunciados, em que se manifestam as opiniões, leituras e interpretações dos leigos, especialistas, curiosos e oportunistas de plantão. Sob o jargão repetido “o público quer saber”, sabe-se que o inferno está cheio de boas intenções. A cada instante, como uma ficcionalização do real (no país das telenovelas), novos detalhes, angulações e pontos de vista são injetados no espaço público midiatizado. A crônica policial dramatizada pelos telejornais fragmenta, recorta, distorce o acontecimento brutal. As cenas de Freddy Kruegger e Sexta Feira 13 misturam-se às narrativas midiofágicas do crime, refratando múltiplas camadas impactantes no imaginário coletivo. Mas a indignação e a perplexidade sociais vão se tornando um ruído estranhamente prosaico que se dissipa e se anula em meio às ressonâncias das vuvuzelas, do que nos restou da Copa do Mundo. O crime se tornou hipertextual e a cada momento novas janelas, imagens, sites vão duplicando, multiplicando as faces sinistras de uma ocorrência fatal que dissipou os sonhos de uma aspirante à modelo. Assim, como metástase, na era das redes e telas totais, os ecos do crime vão se alastrando e minando a nossa capacidade de julgar. Cada crime serializado na tevê vai preenchendo o fosso existente entre o mal-estar cotidiano e a legiferância da civilização. Relembro a frase de Godard: “Precisamos ainda dos sonhos e da polícia”. Cada um desses crimes funciona como a fabricação do cenário para a representação dos nossos bodes expiatórios. Relembro de Nietzsche e de O senhor dos anéis, alertando para a condição humana e a vontade de poder, o desejo de matar simbolicamente tudo aquilo que parece ameaçador à rotina de nossas sobrevivências. Penso no mestre Jomard Muniz de Britto falando dos abismos cotidianos, do futebol no carnaval das religiões, no ethos bizarro que nos rege em meio a todos os tipos de racismo, o ódio aos gays, feios, gordos, favelados, negros, nordestinos, prostitutas. Parece que estamos irremediavelmente predestinados ao esquecimento dos abismos, das lâminas e balas diárias que estilhaçam a virtualidade de nossa cidadania. Logo, tudo não passará de um mero remake, até a fabricação do próximo “Ti-Ti-Ti”.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Os sete pecados da copa

A Copa do Mundo, em versão midiatizada, é negócio, espetáculo, marketing global que atinge as vastas legiões de cidadãos-torcedores-espectadores. A copa mexe com afetos, sentimentos e valores, desperta os pecados e as virtudes capitais. A simbologia dos sete pecados capitais, desde a Idade Média, exerce influência sobre os espíritos. E a nossa Idade Mídia, graças a Deus, é subversiva: reúne tribos de crentes, profanos, fanáticos e ateus. Mas não escapa do julgamento público, que distingue religiosamente os virtuosos e viciados. As imagens hilárias da luxúria estão nos sites pornôs, com fotos & fakes dos jogadores e marias chuteiras; e a parte bizarra do pecado está no seu contrário, na imposição do técnico à temperançaforçada dos jogadores do Brasil, privados de sexo e sorvete nas concentrações. No jargão dos torcedores a gula é sinal de jogador fominha: não divide a bola com ninguém. Mas não há comedimento na fome de imagens da TV. A mídia encarna a metáfora da iconofagia (devoração de imagens). Cria os mitos, mas engole os velhos ídolos do esporte. A imagem da avareza fica registrada na vontade de exclusividade da Rede Globo, na cobertura da Copa. É sinal de egoísmo querer monopolizar o poder de ver e de mostrar; eliminar concorrentes, e reinar sozinha. Então, fica valendo o slogan na internet: #Dia sem Globo! A preguiça era pecado e se tornou doença grave na época do capitalismo, baseado na ética do trabalho, no mérito pelo esforço pessoal. A apatia e a indolência, a moleza não tem lugar no mundo dos esportes. Mas o difícil é voltar ao trabalho depois do jogo. Para as novas gerações do sec 21, estar "irado" tem valor positivo. Porém as imagens da ira, na Copa 2010, vão ficar com o treinador Dunga, famoso como zangado. E a subversão do mau humor explode, em escala global, na "irada" e formidável campanha #Cala a boca, Galvão”. A inveja é cruel: corrói as entranhas do invejoso: quem não aceita a derrota está condenado a passar mal; felizes são os times com o dom do desprendimento, e o oposto disso é a campanha solidária às vítimas das enchentes no Nordeste, inserida no noticiário da Copa. A extrema vaidade, a soberba, é um sentimento menor, que expõe a fraqueza dos atletas deslumbrados, como seres lendários, que se afogam em suas próprias imagens midiatizadas e perdem a chance de fazer o gol. Gloriosamente, a humildade e simplicidade dos novos talentos impõem brilho e veracidade ao esporte, durante a Copa do Mundo 2010.