sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ética-estética do Hip Hop: Interfaces da Educação, Comunicação & Sociedade

Globalização, Tecnologia e Mídias; Elementos constituintes do bem estar juvenil. Estes são o título e subtítulo da Tese de Doutorado defendida no PPGE/UFPB, por Nadia Jane de Sousa, com orientação de Edna Brennand, em 14.04.2010, obtendo o título de doutora (com distinção) pela banca examinadora composta por Edna Gusmão de Goes Brennand (PPGE/UFPB), Charliton José dos Santos Machado (coordenador do PPGE/UFPB), Adriano Azevedo Gomes de Leon (PPGS/UFPB), Claudio Cardoso de Paiva (PPGC/UFPB), Maria das Graças Pinto Caldas (PPGC/UFRN).
            Investigando o universo da dança de rua, Hip Hop, na cidade Cajazeiras, PB, Nadia Sousa focaliza a influência da mídia na construção das identidades juvenis, observando as estratégias criativas diante dos processos de mercantilização cultural. Aborda o fenômeno do hip hop como uma modalidade de criação de redes de “educabilidade”, que podemos entender como modos de desterritorialização no campo da educação, num movimento que contempla a aprendizagem nos domínios da Escola (Universidade) e sua extensibilidade no espaço público (na praça pública). Logo, trata-se de um enfoque da educação como alternativa ao sistema pedagógico formal, reconhecendo os diferentes modos de troca de saberes, em que se disseminam a formação de valores, a constituição de identidades e novas modalidades de pertencimento.
            Para contextualizar o seu objeto de estudo, a professora Nadia Sousa percorre uma diversidade de eixos temáticos, abrangendo a “cultura global e local”, as “culturas juvenis”, o “campo das mídias”, os “estilos de identidade”, as formas de reconhecimento social, as modalidades do “estar-junto” e os “processos de educabilidade”. E apoiando-se numa base epistemológica interdisciplinar, lança uma mirada sensível e inteligente sobre a “dança de rua”, a partir das contribuições da “sociologia compreensiva” (Maffesoli), o “indiciarismo” (Ginzburg), os “cultural studies” (Featherstone) e os “estudos culturais latino-americanos” (Canclini). Assim, propõe uma abordagem inédita das experiências do saber, do conhecimento e da pedagogia, que passa pelo crivo das interações sociais na praça pública, das tecnologias do corpo e da musicalidade, o que em última instância revela modos de inserção e participação social (e política) no contexto dos setores socioeconomicamente desfavorecidos.
            A Tese de Nadia Sousa estabelece uma perspectiva inovadora, promovendo o diálogo entre as experiências da Educação, Comunicação e Sociedade; ou seja, estimula uma reflexão acerca dos processos de conhecimento e socialização no âmbito da sociedade midiatizada e da cultura globalizada. E acertando os ponteiros com o grande debate educacional sobre as fronteiras entre a Universidade e as Comunidades, as Instituições Sociais e os processos midiáticos globalitários, chama a atenção para a experiência das culturas populares na era do capitalismo tardio, enfocando as “margens do acontecimento e da história”.
            Sua estratégia de análise é peculiar no exame da absorção e reelaboração da cultura global, recortando a experiência do hip hop na cidade de cajazeiras, como uma incorporação dos artefatos e simbolismo advindo do cotidiano dos jovens. Sublinha, portanto, a ressignificação da dança, as formas da “atração social” na periferia e a constituição de novas subjetividades no terreno em que as condições sociopolíticas e econômicas de mostram adversas. Logo, verifica-se uma tomada de consciência dos setores jovens da sociedade numa ambiência atravessada pelas desigualdades, e a emergência de modalidades ético-estéticas empenhadas nas ações afirmativas e empoderamento social.
            E a característica marcante do trabalho consiste na percepção sensível para detectar o modo como os segmentos culturais jovens se utilizam da música e dança para demarcar os seus “lugares de fala”, suas instâncias de pertencimento, por meio de linguagens que – ao mesmo tempo - são singulares, em relação ao contexto local, e mantêm sintonia com as estratégias mundiais de comunicação (como o rap, o funk, o hip hop).
            A partir da observação participante, Nádia Jane elabora uma Teoria do Conhecimento (e, portanto, um aporte teórico-metodológico educacional) com base numa “razão sensível” (Maffesoli); isto é, leva a sério a empiricidade que se revela nas atitudes e no comportamento dos jovens que deixam as suas marcas na cidade, por meio dos afetos, das sensações, emoções e sentimentos. Logo, o trabalho tem um forte componente que articula a experiência estética com a experiência educacional, entendida como um processo de formação sensorial e cognitiva que leva a uma consciência social e amadurecimento dos sujeitos, tornando-os cidadãos.
            Teoricamente, o estudo é perspicaz também na maneira como coloca em diálogo dois dos mais prestigiados pensadores da cultura ocidental contemporânea, Michel Maffesoli e Zigmund Bauman. Partindo de perspectivas filosóficas distintas, o primeiro sendo mais otimista e o segundo mais pessimista, ambos contemplam e diagnosticam as “tribalizações” emergentes na (pós)modernidade líquida. E a sua assimilação pela educadora Nadia Jane de Sousa se perfaz de maneira original, pois examina – in loco – as evidências dos afetos e socialidades tramados entre os participantes do hip hop em Cajazeiras, acompanhando a sua ritualística nas apresentações públicas, escutando suas argumentações, seus comentários, críticas e expectativas.
            O enfoque da professora Nádia Sousa apresenta uma breve etnografia, descrevendo as pautas, os agendamentos e os registros do trabalho dos grupos, apontando para novas possibilidades de pesquisa no campo recente da “educomunicação”. Faz uma sondagem sobre os critérios para se averiguar as formas da juvenilidade, numa sociedade envelhecendo, mas que é minada pela publicidade, exigindo discursos e posturas sempre juvenis. E nisso também a sua exploração é pertinente na medida em que lança luzes sobre uma discussão permanente no campo das Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas. Realiza igualmente uma sondagem acerca dos gêneros (masculino e feminino) e suas projeções no domínio empírico da dança de rua. Logo, remete a uma reflexão importante, num momento em que as identidades (e identificações) do masculino e do feminino são discutidas no agendamento da comunicação social, numa época em que a violência contra a mulher ainda se faz presente.
            Reconhecendo a importância do processo de midiatização social, Nádia traz para o domínio da Educação uma temática que perpassa por todos os campos do conhecimento científico. Mostra, então, de maneira muito lúcida, como os jovens têm aprendido a assimilar os valores disseminados pela cultura midiática global, subvertendo-os e adequando-os – estrategicamente - ao contexto de sua realidade social; destaca, assim, os aspectos sociopolíticos do hip hop em Cajazeiras.
            Porém, a pesquisadora não se isenta de fazer a sua própria crítica e advertência, e alerta para os riscos de uma “opinião apressada” sobre a forma como estes “movimentos culturais” advindos de outros nichos culturais podem adquirir matizes equivocados. Para isso recorre a autores de envergadura como Stuart Hall, Castells, Rouanet, Canclini, Featherstone, Ianni, e as suas críticas da globalização. E nesta direção, o estudo também é inteligente, pois aponta para as formas de relativização, contextualização e atualização das práticas importadas, prestando atenção principalmente no próprio objeto de estudo, considerando a materialidade das vozes dos participantes da experiência. Logo, a autora desmonta as matrizes científicas positivistas e lança uma lufada de vento na atmosfera acadêmica, que têm se revigorado em seu diálogo com a sociedade, principalmente a partir de trabalhos desta natureza.
            Por tudo isso, a Tese de Nádia Jane de Sousa possui todos os méritos, assim como o esforço de orientação da Profª Drª. Edna Brennand, que tem incansavelmente contribuído para a adequação do trabalho didático e sua atualização no cenário cultural do século 21.