segunda-feira, 12 de julho de 2010

O cheiro do cinema

O filme Perfume, adaptação do best seller de Patrick Süskind, por Tom Tykwer, é uma lufada de vento no ar rarefeito da cultura global. Sendo uma produção da Alemanha, Espanha e França, é transcultural, universal e fala às profundezas da alma do Ser. É inquietante, subversivo e original. O personagem Jean-Baptiste Grenouille (Ben Wishaw) nasceu rejeitado, na podridão, num mercado de peixe, mas seu choro faminto, estarrecedor, denuncia a mãe desumana, que o abandonara, levando esta a ser presa e enforcada; o primeiro golpe de Grenouille (rã, em francês). Ele cresceu no inferno de um orfanato e logo cedo descobriu o seu dom extraordinário para sentir os cheiros do mundo. O “acaso” o leva a ser aprendiz na perfumaria de Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), que vê a sua loja prosperar com a invenção de novos aromas. Jean-Baptiste se orienta na vida pelo olfato e sendo extremamente carente e ambicioso deseja conquistar todos os aromas do mundo. Logo, torna-se um assassino porque sem chance de atrair outro ser humano, uma mulher bonita, exerce a sua vontade de poder e de conquista através do crime: mata belas moças para retirar-lhes o cheiro e assim produzir uma fragância universal a partir da essência feminina.
O enredo é altamente subversivo porque numa cultura como a nossa, minada pelo sentido da visão, chama a atenção para o olfato como uma forma de orientação no mundo. É transgressivo ao nos reportar simbolicamente à nossa natureza selvagem e predatória, a vontade de matar e assim nos presta um grande serviço, amenizando as pulsões violentas, através de uma catarse que só a grande arte pode proporcionar.
É um filme lúcido na maneira como apresenta o indivíduo elevado à condição de mito, como alguém que se distingue dos outros mortais e por isso passa a ser idolatrado, mesmo sendo um assassino.
A trama de Perfume se desloca da região do lúgubre, dos crimes abomináveis e nos remete ao êxtase, à transcendência e ao maravilhoso, libertando - simbolicamente - os indivíduos presos a uma teia social e normativa, minada pela miséria e o sofrimento, e criando uma grande imagem mítica, uma epifania formidável da humanidade irrigada pela comunhão universal, dos corpos humanos numa orgia solidária, cósmica, transcendental. Representando um mundo sem sentido com ares medievais - algo similar ao cotidiano da nossa idade mídia - o filme Perfume se utiliza de um realismo fantástico que nos arrebata todos os sentidos. E a sua metáfora terminal, em que Jean Baptiste Grenouille, de volta ao lixo em que foi gerado, é despedaçado pelos seus semelhantes, alucinados pelo odor mágico, maravilhoso. Relembrando a filosofia antiga, ocorre nos refletir como sempre a cultura mata tudo aquilo que ela não pode absorver; também por isso, Perfume é um grande filme que nos deixa pensando.

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