sábado, 10 de julho de 2010
A metástase do crime - O caso Bruno
Nas manchetes midiáticas mais um crime é espetacularizado à exaustão. Notícia criminosa é um produto valorizado no mercado global da informação. As narrativas acerca do famigerado ocorrido, nomeado na imprensa como “O caso Bruno”, apoiam-se basicamente em três regimes sinistros: o espedaçamento, a duplicação e a metástase do acontecimento. Entre o fato e as suas versões, verifica-se a produção de um conjunto complexo de enunciados, em que se manifestam as opiniões, leituras e interpretações dos leigos, especialistas, curiosos e oportunistas de plantão. Sob o jargão repetido “o público quer saber”, sabe-se que o inferno está cheio de boas intenções. A cada instante, como uma ficcionalização do real (no país das telenovelas), novos detalhes, angulações e pontos de vista são injetados no espaço público midiatizado. A crônica policial dramatizada pelos telejornais fragmenta, recorta, distorce o acontecimento brutal. As cenas de Freddy Kruegger e Sexta Feira 13 misturam-se às narrativas midiofágicas do crime, refratando múltiplas camadas impactantes no imaginário coletivo. Mas a indignação e a perplexidade sociais vão se tornando um ruído estranhamente prosaico que se dissipa e se anula em meio às ressonâncias das vuvuzelas, do que nos restou da Copa do Mundo. O crime se tornou hipertextual e a cada momento novas janelas, imagens, sites vão duplicando, multiplicando as faces sinistras de uma ocorrência fatal que dissipou os sonhos de uma aspirante à modelo. Assim, como metástase, na era das redes e telas totais, os ecos do crime vão se alastrando e minando a nossa capacidade de julgar. Cada crime serializado na tevê vai preenchendo o fosso existente entre o mal-estar cotidiano e a legiferância da civilização. Relembro a frase de Godard: “Precisamos ainda dos sonhos e da polícia”. Cada um desses crimes funciona como a fabricação do cenário para a representação dos nossos bodes expiatórios. Relembro de Nietzsche e de O senhor dos anéis, alertando para a condição humana e a vontade de poder, o desejo de matar simbolicamente tudo aquilo que parece ameaçador à rotina de nossas sobrevivências. Penso no mestre Jomard Muniz de Britto falando dos abismos cotidianos, do futebol no carnaval das religiões, no ethos bizarro que nos rege em meio a todos os tipos de racismo, o ódio aos gays, feios, gordos, favelados, negros, nordestinos, prostitutas. Parece que estamos irremediavelmente predestinados ao esquecimento dos abismos, das lâminas e balas diárias que estilhaçam a virtualidade de nossa cidadania. Logo, tudo não passará de um mero remake, até a fabricação do próximo “Ti-Ti-Ti”.
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Perfeito o texto,Claudionisio,meus parabéns.
ResponderExcluirMarcelo Jardelino
Um atleta do clube mais famoso do Brasil está prestes a ser negociado para um dos clubes europeus mais requisitados - o Milan -, mas engravida uma atriz pornô e Maria-chuteira (parece que também prostituta). Para completar, ela possui um pai acusado de pedofilia e uma mãe oportunista, que só apareceu para ganhar o dinheiro de direito do neto (caso Bruno seja o pai). Dinheiro este que casou todo esse mal estar, pois o goleiro não quis pagar a pensão e resolveu matar a garota, acreditando que ninguém descobriria, que sairia impune.
ResponderExcluirPaiva, penso que até um dramaturgo achava tal trama inverossímil.
Triste é ver que o discurso de que o esporte tira as crianças do crime e da violência tem também suas exceções. Bruno já era consagrado, um dos atletas mais bem pagos do clube e fez o que fez, vislumbrado pela fama e pelo dinheiro, acreditando que poderia comprar tudo, até o falseamento do assassinato. O caso do goleiro foi o inverso: a fama adquirida no esporte fez ele acreditar que poderia sair impune.
O pior de tudo é que as evidências já estavam lá. Ela fez vídeo (e o denunciou) dizendo o que ele já tinha feito com ela: ameaçado de morte, dopado, espancado, tudo para o filho não nascer. E ele já tinha batido em outra namorada. Cadê a Lei Maria da Penha? Como sempre, falha...
voilá! Fico assustado sempre que comento essas histórias extremas: corremos sempre o risco de ser moralistas. Esse tema das biografias é tão arriscado, tão delicado. Acho que precisamos cada vez mais de ler Nietzsche, para cremar antigos preconceitos. Preciso reler mais a GENEALOGIA DA MORAL.
ResponderExcluirDinheiro, sexo e sangue: a trama perfeita para horas de audiência. Quase não se fala mais da derrota do Brasil, como quase não se falará mais do "Caso Bruno", quando o "Caso Dilma" e "Caso Serra" entrar na pauta dos telejornais. Sendo assim, que venham logo as eleições?!?
ResponderExcluirPerfeito, Cláudio!
ResponderExcluirDiante de uma análise tão completa como a que você fez, soa estranho falar em biografias, principalmente quando o que está em jogo é um crime hediondo e o seu uso pela mídia...
Parabens!!! amei o texto, depois disso o que mais ha de se dizer???
ResponderExcluirbjs querido!!! saudades
Hannah
Sim, mudo de canal quando começam a falar no caso Bruno. Não significa que eu não esteja indignada,perplexa, pra falar o mínimo, mas por não querer o modo como aqueles apresentadores de circo de horror conduzem a história até o esgotamento. Sim, dá pra comentar muita coisa sobre este caso. O comportamento dele, da mídia, o nosso. O seu texto, sempre enriquecedor. Saudades de conversar com você.
ResponderExcluiro que eu sei é que eu queria muito viver sem ter ouvido a reprodução da fala de uma das testemunhas que diz que viu quando uma das mãos da garota foi jogada para os cães...
ResponderExcluirquem precisa realmente dessa informação 'jornalística'?
Muito bom Cláudio, agora preciso ler Nietzsche e procurar no dicionário o que significa legiferância. Adoro o jeito que você escreve, inclusive a procura no dicionário.
Águeda Cabral
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEita,muito bom! o texto é ao mesmo tempo pedagogico-filosofico, formativo e cognoscível....
ResponderExcluirE lá vem vc novamente resgatando o guerrilheiro semantico...boa pontaria acertou em cheio os oportunismos midiaticos e o sua des (in)(forma)ção da opiniao publica. Tudo guiado pelo quadro sinótico dos gráficos de audiência que puxa inexoravelmente uma rede de anunciantes àvidos por capturar consumidores-consumistas... e la nave vá!
abs amigo.
Pego carona na sua idéia da morte e vem-me à mente as palavras de Bauman: tudo que está à parte da lógica dominante do consumo, do cotidiano líquido, vira lixo. E temos mais lixo e pessoas lixeiras do que mesmo consumidores inveterados e frenéticos (e que produzem muito lixo). A informação, inserida na lógica líquido-moderna, vira "lixo", esvai-se no ar e segue por um rumo atroz, tentando infiltrar-se em nossos castelos de memória, resgatando, no longíquo repertório que nos edifica os discursos, reminiscências e tropos para se sustentar.
ResponderExcluirA carnificina, o terror, as narrativas da morte, como bem lembrado, habitam estes espaços ocultos de nossas memórias, e levantam-se sempre que nos deparamos com acontecimentos tenebrosos. E, aí, concordo com Águeda: que a morte e a desgraça sejam um já conhecido "valor-notícia", tudo bem (mas com ressalvas), mas escancará-la, esmiuçar detalhes sórididos, faz-nos pensar até onde podemos ir no trato de tais informações. Qual o valor jornalístico dos detalhes macabros? Não há. É apenas um instrumento retórico para entreter e seduzir a audiência. Uma mini-série, em poucos capítulos. Mais uma narrativa ao estilo Freddy Kruegger ou Sexta-Feira 13. Mas, ao som das vuvuzelas, da campanha presidencial ou do que quer que venha habitar a "agenda" midiática nos próximos dias, o caso Bruno será brevemente esquecido, e estará fadado ao lixo. E, aqui, não poderia deixar de parafrasear Bauman: "a vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo".
Diógenes de Luna
cláudio, ótima análise, ainda que, se estivéssemos, eu, você a torcida do flamengo trabalhando em jornal, certamente esse fato não poderia escapar da pauta. é o goleiro de um dos times mais importantes do país, saiu da miséria, alcançou o estrelato. a questão mais importante, para mim, e que não vi ninguém tratar até agora: vários técnicos dizem que desde menino, esse talento apresentava sinais de violência incontrolada etc... quantos times tem uma equipe de psicólogos de esporte? por que esses jogadores jovens, talentosos e vindos, em sua maioria, da miséria absoluta, não recebem um apoio psicológico para "administrar" internamente essas mudanças? mas é claro que essa questão não importa, o que importa é noticiar ronaldinho com travestis e depois "conceder" a ele o espaço para pedir desculpas, ver adriano "se espatifar no álcool" e bater em mulher para aparecer com a mesma moça no dia seguinte e goleiros como bruno defenderem o machismo inoculado and so on... esse circo de horrores midiatizado é o que parte da nossa sociedade vive diariamente, infelizmente. precisamos pensar em que tipo de sociedade estamos, que tipo de soiedade queremos e não em bolhas de proteção... ando meio desanimada, para ser sincera... mas suas análises são sempre maravilhosas, bem escritas e nos fazem pensar... pensar é fundamental nessa Idade Mídia. saudades! :)***
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