terça-feira, 13 de julho de 2010

Os avatares e outras mitologi@s

A palavra Avatar, do sânscrito, tem um sentido metafísico: refere uma entidade que “baixa” na terra. Hoje, sua versão se atualiza na cibercultura e na realidade virtual do cinema 3D, tornando-se parte integrante do vocabulário das tribos plugadas nas artes tecnológicas do século XXI. E das mitologias de nossa hipermodernidade.
O filme Avatar (James Cameron), antes de qualquer coisa, é uma obra de arte – no gênero e sua potência estética e mitológica só encontra paralelos, em títulos como Metrópolis, Blade Runner e Matrix, cada um deles sendo uma referência fundamental para três gerações distintas de cinéfilos. Vejo Avatar para além do princípio da ficção científica e das ideologias de direita e esquerda. No contexto do grande painel pós-colonialista, além de ser um deleite para os olhos, a película registra uma semiótica de cunho político e ecológico bastante original. Primeiramente, desta vez, os humanóides é que são os invasores, bélicos, cruéis, predadores e após o aniquilamento do planeta Terra se aventuram numa odisséia pelo planeta Pandora, signo emblemático de uma mitologia antiga: a caixa de Pandora aberta traria de volta todos os males e infortúnios do mundo. Aqui se trata de uma metáfora do mundo natural (a floresta amazônica?) povoada por seres híbridos, em parte são clones dos humanóides, em parte são felinos, mas criaturas com formas humanas, peles azuladas e com dimensões gigantescas, lutando em defesa da vida, enquanto os humanos buscam colonizar o seu planeta (à procura de petróleo?).
O filme deve agradar tanto os teen agers quanto os seniors amantes do cinema, dos games, das HQ, das Grafic novels; porém, sua grandiosidade advém da extrema beleza visual e dos efeitos especiais, em 3D, postos a serviço de uma estória sublime, pois no centro da cena esta a Mãe Natureza, metaforizada pelo signo do ecossistema natural. Mesmo que, possa ser visto de maneira melodramáticas, como aliás o Titanic (outra obra de Cameron, o filme mais caro da história), Avatar demarca um matiz de afetividade, sinalizando a grandeza do amor nos tempos da cólera (amor entre os seres e amor à natureza).
Tem arrecadado bilhões de dólares no mundo inteiro (sabe-se que a indústria de Hollywood não brinca em serviço e deve arrebatar vários oscares); todavia, a sua força poética reside em colocar a tecnologia a serviço da expressão artística e não ao contrário. E convém atentar para uma pequena e importante diferença: Avatar parece se constituir num filme futurista, mas ele – sobretudo - atualiza (e antecipa) as sensações de todos nós pós-humanos imersos numa realidade virtualizada que nos fascina e nos assombra. Fala de segunda pele da cultura e seduz, principalmente, pela audivisibilidade de nossas representações (ou antes simulações), nossos desejos, medos, pedaços de horror e felicidade, em meio às máquinas de pensamento, de linguagem e de ação. Avatar é a expressão mais concreta de nossa outridade; arte e simulacro dos nossos sonhos e de nossas expectativas mais secretas.

Mídia, beleza e calamidade

O que hoje chamamos de mídia nasceu como jornalismo, após a invenção de Gutemberg (sec. XV), e a sua força de propagação é tamanha que foi peça chave no âmbito das revoluções marítimas e comerciais (sec. XVI e XVII), revolução francesa (sec. XVIII), revolução industrial (sec. XIX) e a revolução russa (sec.XX). Hoje, mídia é TV e é parte de um processo ligado às experiências de veiculação da informação, divulgação de conhecimento e aproximação das diferenças sociais. A mídia está atrelada às forças econômicas e políticas. E, sendo a TV uma arma forte, os “donos (gestores) da comunicação”, agendam os acontecimentos que podem se tornar notícias, decidindo o que se pode ver e como se pode ver. Logo, tudo aquilo que se difunde na TV está subordinado à logica econômica e política, e isto envolve – simultaneamente - as imagens sublimes e grotescas que contemplamos diariamente nos telejornais.
O telejornal é movido pela vontade de neutralidade, mas também é movido pela vontade de poder; ou seja, para ganhar mais, poder mostrar mais e vencer a concorrência, faz uso do sensacionalismo, isto é, sem tempo para pensar, penetra nas entranhas dos “fatos”, das pessoas e dos cadáveres para ganhar a audiência. Faz isso não por maldade, mas porque na mídia tempo é dinheiro e a TV não tem tempo a perder. Não tem tempo para pensar, nem fazer pensar: essa é a parte burra (e emburrecedora) da TV.
Desde o tempo de ouro do jornalismo impresso, o noticiário é movido pela lógica do “furo”, que faz a glória dos jornalistas. E hoje, na era da dromologia, tempo da aceleração e da velocidade, a mídia precisa capturar o acontecimento em tempo real, mas sabe-se que a pressa é inimiga da perfeição. O 11 de setembro, a Guerra do Golfo, os desastres aéreos, as Tsunamis e mais recentemente o terremoto no Haiti são calamidades que servem de matéria prima para o furo jornalístico, espetacularização da notícia e sensacionalismo da TV. Todavia, cada telespectador pode contemplar as imagens de uma outra maneira, dependendo da maneira como faz uso do seu tempo. Há o tempo cronológico (derivado do Kronos devorador), mas existe o tempo do Kairós (tempo de plantar e colher, tempo da pulsação, tempo da vida natural). Em meio às calamidades, como no Haiti, atentos às imagens-tempo de solidariedade, compaixão e generosidade, podemos superar as imagens de horror, e compreender a parte doce e nobre dos afetos humanos, a parte de beleza da televisão.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O cheiro do cinema

O filme Perfume, adaptação do best seller de Patrick Süskind, por Tom Tykwer, é uma lufada de vento no ar rarefeito da cultura global. Sendo uma produção da Alemanha, Espanha e França, é transcultural, universal e fala às profundezas da alma do Ser. É inquietante, subversivo e original. O personagem Jean-Baptiste Grenouille (Ben Wishaw) nasceu rejeitado, na podridão, num mercado de peixe, mas seu choro faminto, estarrecedor, denuncia a mãe desumana, que o abandonara, levando esta a ser presa e enforcada; o primeiro golpe de Grenouille (rã, em francês). Ele cresceu no inferno de um orfanato e logo cedo descobriu o seu dom extraordinário para sentir os cheiros do mundo. O “acaso” o leva a ser aprendiz na perfumaria de Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), que vê a sua loja prosperar com a invenção de novos aromas. Jean-Baptiste se orienta na vida pelo olfato e sendo extremamente carente e ambicioso deseja conquistar todos os aromas do mundo. Logo, torna-se um assassino porque sem chance de atrair outro ser humano, uma mulher bonita, exerce a sua vontade de poder e de conquista através do crime: mata belas moças para retirar-lhes o cheiro e assim produzir uma fragância universal a partir da essência feminina.
O enredo é altamente subversivo porque numa cultura como a nossa, minada pelo sentido da visão, chama a atenção para o olfato como uma forma de orientação no mundo. É transgressivo ao nos reportar simbolicamente à nossa natureza selvagem e predatória, a vontade de matar e assim nos presta um grande serviço, amenizando as pulsões violentas, através de uma catarse que só a grande arte pode proporcionar.
É um filme lúcido na maneira como apresenta o indivíduo elevado à condição de mito, como alguém que se distingue dos outros mortais e por isso passa a ser idolatrado, mesmo sendo um assassino.
A trama de Perfume se desloca da região do lúgubre, dos crimes abomináveis e nos remete ao êxtase, à transcendência e ao maravilhoso, libertando - simbolicamente - os indivíduos presos a uma teia social e normativa, minada pela miséria e o sofrimento, e criando uma grande imagem mítica, uma epifania formidável da humanidade irrigada pela comunhão universal, dos corpos humanos numa orgia solidária, cósmica, transcendental. Representando um mundo sem sentido com ares medievais - algo similar ao cotidiano da nossa idade mídia - o filme Perfume se utiliza de um realismo fantástico que nos arrebata todos os sentidos. E a sua metáfora terminal, em que Jean Baptiste Grenouille, de volta ao lixo em que foi gerado, é despedaçado pelos seus semelhantes, alucinados pelo odor mágico, maravilhoso. Relembrando a filosofia antiga, ocorre nos refletir como sempre a cultura mata tudo aquilo que ela não pode absorver; também por isso, Perfume é um grande filme que nos deixa pensando.

sábado, 10 de julho de 2010

A metástase do crime - O caso Bruno

Nas manchetes midiáticas mais um crime é espetacularizado à exaustão. Notícia criminosa é um produto valorizado no mercado global da informação. As narrativas acerca do famigerado ocorrido, nomeado na imprensa como “O caso Bruno”, apoiam-se basicamente em três regimes sinistros: o espedaçamento, a duplicação e a metástase do acontecimento. Entre o fato e as suas versões, verifica-se a produção de um conjunto complexo de enunciados, em que se manifestam as opiniões, leituras e interpretações dos leigos, especialistas, curiosos e oportunistas de plantão. Sob o jargão repetido “o público quer saber”, sabe-se que o inferno está cheio de boas intenções. A cada instante, como uma ficcionalização do real (no país das telenovelas), novos detalhes, angulações e pontos de vista são injetados no espaço público midiatizado. A crônica policial dramatizada pelos telejornais fragmenta, recorta, distorce o acontecimento brutal. As cenas de Freddy Kruegger e Sexta Feira 13 misturam-se às narrativas midiofágicas do crime, refratando múltiplas camadas impactantes no imaginário coletivo. Mas a indignação e a perplexidade sociais vão se tornando um ruído estranhamente prosaico que se dissipa e se anula em meio às ressonâncias das vuvuzelas, do que nos restou da Copa do Mundo. O crime se tornou hipertextual e a cada momento novas janelas, imagens, sites vão duplicando, multiplicando as faces sinistras de uma ocorrência fatal que dissipou os sonhos de uma aspirante à modelo. Assim, como metástase, na era das redes e telas totais, os ecos do crime vão se alastrando e minando a nossa capacidade de julgar. Cada crime serializado na tevê vai preenchendo o fosso existente entre o mal-estar cotidiano e a legiferância da civilização. Relembro a frase de Godard: “Precisamos ainda dos sonhos e da polícia”. Cada um desses crimes funciona como a fabricação do cenário para a representação dos nossos bodes expiatórios. Relembro de Nietzsche e de O senhor dos anéis, alertando para a condição humana e a vontade de poder, o desejo de matar simbolicamente tudo aquilo que parece ameaçador à rotina de nossas sobrevivências. Penso no mestre Jomard Muniz de Britto falando dos abismos cotidianos, do futebol no carnaval das religiões, no ethos bizarro que nos rege em meio a todos os tipos de racismo, o ódio aos gays, feios, gordos, favelados, negros, nordestinos, prostitutas. Parece que estamos irremediavelmente predestinados ao esquecimento dos abismos, das lâminas e balas diárias que estilhaçam a virtualidade de nossa cidadania. Logo, tudo não passará de um mero remake, até a fabricação do próximo “Ti-Ti-Ti”.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Os sete pecados da copa

A Copa do Mundo, em versão midiatizada, é negócio, espetáculo, marketing global que atinge as vastas legiões de cidadãos-torcedores-espectadores. A copa mexe com afetos, sentimentos e valores, desperta os pecados e as virtudes capitais. A simbologia dos sete pecados capitais, desde a Idade Média, exerce influência sobre os espíritos. E a nossa Idade Mídia, graças a Deus, é subversiva: reúne tribos de crentes, profanos, fanáticos e ateus. Mas não escapa do julgamento público, que distingue religiosamente os virtuosos e viciados. As imagens hilárias da luxúria estão nos sites pornôs, com fotos & fakes dos jogadores e marias chuteiras; e a parte bizarra do pecado está no seu contrário, na imposição do técnico à temperançaforçada dos jogadores do Brasil, privados de sexo e sorvete nas concentrações. No jargão dos torcedores a gula é sinal de jogador fominha: não divide a bola com ninguém. Mas não há comedimento na fome de imagens da TV. A mídia encarna a metáfora da iconofagia (devoração de imagens). Cria os mitos, mas engole os velhos ídolos do esporte. A imagem da avareza fica registrada na vontade de exclusividade da Rede Globo, na cobertura da Copa. É sinal de egoísmo querer monopolizar o poder de ver e de mostrar; eliminar concorrentes, e reinar sozinha. Então, fica valendo o slogan na internet: #Dia sem Globo! A preguiça era pecado e se tornou doença grave na época do capitalismo, baseado na ética do trabalho, no mérito pelo esforço pessoal. A apatia e a indolência, a moleza não tem lugar no mundo dos esportes. Mas o difícil é voltar ao trabalho depois do jogo. Para as novas gerações do sec 21, estar "irado" tem valor positivo. Porém as imagens da ira, na Copa 2010, vão ficar com o treinador Dunga, famoso como zangado. E a subversão do mau humor explode, em escala global, na "irada" e formidável campanha #Cala a boca, Galvão”. A inveja é cruel: corrói as entranhas do invejoso: quem não aceita a derrota está condenado a passar mal; felizes são os times com o dom do desprendimento, e o oposto disso é a campanha solidária às vítimas das enchentes no Nordeste, inserida no noticiário da Copa. A extrema vaidade, a soberba, é um sentimento menor, que expõe a fraqueza dos atletas deslumbrados, como seres lendários, que se afogam em suas próprias imagens midiatizadas e perdem a chance de fazer o gol. Gloriosamente, a humildade e simplicidade dos novos talentos impõem brilho e veracidade ao esporte, durante a Copa do Mundo 2010.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Twitteromania

Twitteromania



Small is beautiful. Quando escrevo “O pequeno é lindo”, em inglês, isto não é uma cantada no “simpatico” Dunga. Penso antes no twitter, como uma forma minimalista de comunicação que está modificando o cotidiano das pessoas, em níveis locais e globais, aproximando as fronteiras entre indivíduos e culturas. Artistas, políticos, empresários, jornalistas, pesquisadores, estetas, etc., tribos diversas estão em sintonia por meio deste novo dispositivo, que de algum modo, substitui o clássico telegrama. O twitter é ágil, ligeirinho como um trinado de passarinho (o ícone, a figurinha no “cabeçário já traduz essa idéia). Mas o fato é que está modificando as rotinas de produção e consumo das notícias, transformando o trabalho dos jornalistas e derrubando os muros de um sistema que monopolizava a informação para um segmento de letrados. Homens, mulheres, ricos, pobres, jovens, veteranos, todos atuam em comunicação permanente através destes miniblogs (espécies de diários pessoais-coletivos).
Hoje na era da velocidade, e da liquidez readical, quase não temos tempo de reencontrar os amigos, antigos companheiros de jornada: é pela via das redes sociais que encontramos os flashes rápidos, fragmentos de discursos, dos nossos (velhos) conhecidos. Pelos twitters vamos tecendo as nossas redes de socialidade: um trabalho em migalhas. São trinados poéticos, políticos, pedagógicos, publicitários, jornalísticos que vão irrigando os nossos fluxos informativos; fazem parte doravante dos nervos do nosso sistema mental.
Penso no jornalismo como um campo que tem se transmutadodo e se revigorado por todas as arestas do social também pela ação dos twitters. Dos recônditos espaços mais intimistas à midiosfera, espaço público virtualizado pela digitalização, uma imensa rede global vai sendo construída, interligando os seres, os fatos e suas versões dispersos na espessura da vida cotidiana. Anônimos e celebridades participam dessa imensa teia significante, inscrevendo novas projeções através dos trinados, pequenas escritas cibernéticas. Ecos murmurantes para uns, e para outros, oportunidades para a reverberação da vontade de se comunicar, para a representação de si, expressão instantânea dos nosos afetos e desafetos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Alice absurda, fundamental

O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho sendo transportada para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares. Não é uma estória para crianças nem para adultos, muito pelo contrário. Nasce como um romance inglês, de Lewis Carroll, no século XIX, fazendo uma sátira corrosiva da Inglaterra pós-vitoriana e da rainha, é claro. E se irradia pelo mundo inteiro desafiando a imaginação criadora. Pelas lentes de Walt Disney, ganhou cores, sons, animações fantásticas deslumbrando o público infanto-juvenil do planeta. Mas quase nada se compara com a grande revolução das artes visuais como os filmes em 3D. Imersão pura, envolvimento total. Arrebatamento dos espíritos por meio de tecnologias sensíveis e arrojadas. Um absurdo necessário e fundamental, numa era tão previsível e conformista como a nossa.
Tem uma dimensão de Alice ligada às coisas encantadas e maravilhosas que vai ganhar uma paulada, num filme ácido chamado “Alice não mora mais aqui”; algo que se pode entender como “Amélia não era mulher de verdade”. Estranhamento absoluto, como requer a grande arte. Mas essa é uma outra estória. Por que depois de Tim Burton (autor de O estranho mundo de Jack, Eduardo Mãos de Tesoura e Noiva Cadáver, entre outros), Alice nunca mais será a mesma. Não é mais menina, é moça feita, e ridiculariza pra valer a aristocracia careta londrina: xou de bola!
O elenco é supimpa! Com a novata australiana Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter (como a Rainha de Copas), Anne Hathaway (como a Rainha Branca), mas Quem rouba a cena? John Deep, como o chapeleiro maluco, é claro. Impagável com a cara hilariante de Madona e dançando como Michael Jackson.
Contudo, para além das ideologias e mitologias da cultura de massa, Alice tem que ser visto em terceira dimensão. Também porque depois de Avatar, nada (no cinema) será como antes. É por aí que a gente fica grande e fica pequeno, e se permite contemplar o mundo por outro ângulo. Se Giotto transformou a história da pintura, inventando a perspectiva, o cinema em 3D inaugura uma nova maneira de ser assistir aos filmes: volume, textura, altura, profundidade. Vale a pena ver Alice e o seu séquito de personagens fabulosos, como o gato risonho, a lagarta fumante, os gêmeos gordinhos e o coelho apressado: uma viagem básica para muito longe deste insensato mundo.