terça-feira, 13 de julho de 2010

Mídia, beleza e calamidade

O que hoje chamamos de mídia nasceu como jornalismo, após a invenção de Gutemberg (sec. XV), e a sua força de propagação é tamanha que foi peça chave no âmbito das revoluções marítimas e comerciais (sec. XVI e XVII), revolução francesa (sec. XVIII), revolução industrial (sec. XIX) e a revolução russa (sec.XX). Hoje, mídia é TV e é parte de um processo ligado às experiências de veiculação da informação, divulgação de conhecimento e aproximação das diferenças sociais. A mídia está atrelada às forças econômicas e políticas. E, sendo a TV uma arma forte, os “donos (gestores) da comunicação”, agendam os acontecimentos que podem se tornar notícias, decidindo o que se pode ver e como se pode ver. Logo, tudo aquilo que se difunde na TV está subordinado à logica econômica e política, e isto envolve – simultaneamente - as imagens sublimes e grotescas que contemplamos diariamente nos telejornais.
O telejornal é movido pela vontade de neutralidade, mas também é movido pela vontade de poder; ou seja, para ganhar mais, poder mostrar mais e vencer a concorrência, faz uso do sensacionalismo, isto é, sem tempo para pensar, penetra nas entranhas dos “fatos”, das pessoas e dos cadáveres para ganhar a audiência. Faz isso não por maldade, mas porque na mídia tempo é dinheiro e a TV não tem tempo a perder. Não tem tempo para pensar, nem fazer pensar: essa é a parte burra (e emburrecedora) da TV.
Desde o tempo de ouro do jornalismo impresso, o noticiário é movido pela lógica do “furo”, que faz a glória dos jornalistas. E hoje, na era da dromologia, tempo da aceleração e da velocidade, a mídia precisa capturar o acontecimento em tempo real, mas sabe-se que a pressa é inimiga da perfeição. O 11 de setembro, a Guerra do Golfo, os desastres aéreos, as Tsunamis e mais recentemente o terremoto no Haiti são calamidades que servem de matéria prima para o furo jornalístico, espetacularização da notícia e sensacionalismo da TV. Todavia, cada telespectador pode contemplar as imagens de uma outra maneira, dependendo da maneira como faz uso do seu tempo. Há o tempo cronológico (derivado do Kronos devorador), mas existe o tempo do Kairós (tempo de plantar e colher, tempo da pulsação, tempo da vida natural). Em meio às calamidades, como no Haiti, atentos às imagens-tempo de solidariedade, compaixão e generosidade, podemos superar as imagens de horror, e compreender a parte doce e nobre dos afetos humanos, a parte de beleza da televisão.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O cheiro do cinema

O filme Perfume, adaptação do best seller de Patrick Süskind, por Tom Tykwer, é uma lufada de vento no ar rarefeito da cultura global. Sendo uma produção da Alemanha, Espanha e França, é transcultural, universal e fala às profundezas da alma do Ser. É inquietante, subversivo e original. O personagem Jean-Baptiste Grenouille (Ben Wishaw) nasceu rejeitado, na podridão, num mercado de peixe, mas seu choro faminto, estarrecedor, denuncia a mãe desumana, que o abandonara, levando esta a ser presa e enforcada; o primeiro golpe de Grenouille (rã, em francês). Ele cresceu no inferno de um orfanato e logo cedo descobriu o seu dom extraordinário para sentir os cheiros do mundo. O “acaso” o leva a ser aprendiz na perfumaria de Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), que vê a sua loja prosperar com a invenção de novos aromas. Jean-Baptiste se orienta na vida pelo olfato e sendo extremamente carente e ambicioso deseja conquistar todos os aromas do mundo. Logo, torna-se um assassino porque sem chance de atrair outro ser humano, uma mulher bonita, exerce a sua vontade de poder e de conquista através do crime: mata belas moças para retirar-lhes o cheiro e assim produzir uma fragância universal a partir da essência feminina.
O enredo é altamente subversivo porque numa cultura como a nossa, minada pelo sentido da visão, chama a atenção para o olfato como uma forma de orientação no mundo. É transgressivo ao nos reportar simbolicamente à nossa natureza selvagem e predatória, a vontade de matar e assim nos presta um grande serviço, amenizando as pulsões violentas, através de uma catarse que só a grande arte pode proporcionar.
É um filme lúcido na maneira como apresenta o indivíduo elevado à condição de mito, como alguém que se distingue dos outros mortais e por isso passa a ser idolatrado, mesmo sendo um assassino.
A trama de Perfume se desloca da região do lúgubre, dos crimes abomináveis e nos remete ao êxtase, à transcendência e ao maravilhoso, libertando - simbolicamente - os indivíduos presos a uma teia social e normativa, minada pela miséria e o sofrimento, e criando uma grande imagem mítica, uma epifania formidável da humanidade irrigada pela comunhão universal, dos corpos humanos numa orgia solidária, cósmica, transcendental. Representando um mundo sem sentido com ares medievais - algo similar ao cotidiano da nossa idade mídia - o filme Perfume se utiliza de um realismo fantástico que nos arrebata todos os sentidos. E a sua metáfora terminal, em que Jean Baptiste Grenouille, de volta ao lixo em que foi gerado, é despedaçado pelos seus semelhantes, alucinados pelo odor mágico, maravilhoso. Relembrando a filosofia antiga, ocorre nos refletir como sempre a cultura mata tudo aquilo que ela não pode absorver; também por isso, Perfume é um grande filme que nos deixa pensando.

sábado, 10 de julho de 2010

A metástase do crime - O caso Bruno

Nas manchetes midiáticas mais um crime é espetacularizado à exaustão. Notícia criminosa é um produto valorizado no mercado global da informação. As narrativas acerca do famigerado ocorrido, nomeado na imprensa como “O caso Bruno”, apoiam-se basicamente em três regimes sinistros: o espedaçamento, a duplicação e a metástase do acontecimento. Entre o fato e as suas versões, verifica-se a produção de um conjunto complexo de enunciados, em que se manifestam as opiniões, leituras e interpretações dos leigos, especialistas, curiosos e oportunistas de plantão. Sob o jargão repetido “o público quer saber”, sabe-se que o inferno está cheio de boas intenções. A cada instante, como uma ficcionalização do real (no país das telenovelas), novos detalhes, angulações e pontos de vista são injetados no espaço público midiatizado. A crônica policial dramatizada pelos telejornais fragmenta, recorta, distorce o acontecimento brutal. As cenas de Freddy Kruegger e Sexta Feira 13 misturam-se às narrativas midiofágicas do crime, refratando múltiplas camadas impactantes no imaginário coletivo. Mas a indignação e a perplexidade sociais vão se tornando um ruído estranhamente prosaico que se dissipa e se anula em meio às ressonâncias das vuvuzelas, do que nos restou da Copa do Mundo. O crime se tornou hipertextual e a cada momento novas janelas, imagens, sites vão duplicando, multiplicando as faces sinistras de uma ocorrência fatal que dissipou os sonhos de uma aspirante à modelo. Assim, como metástase, na era das redes e telas totais, os ecos do crime vão se alastrando e minando a nossa capacidade de julgar. Cada crime serializado na tevê vai preenchendo o fosso existente entre o mal-estar cotidiano e a legiferância da civilização. Relembro a frase de Godard: “Precisamos ainda dos sonhos e da polícia”. Cada um desses crimes funciona como a fabricação do cenário para a representação dos nossos bodes expiatórios. Relembro de Nietzsche e de O senhor dos anéis, alertando para a condição humana e a vontade de poder, o desejo de matar simbolicamente tudo aquilo que parece ameaçador à rotina de nossas sobrevivências. Penso no mestre Jomard Muniz de Britto falando dos abismos cotidianos, do futebol no carnaval das religiões, no ethos bizarro que nos rege em meio a todos os tipos de racismo, o ódio aos gays, feios, gordos, favelados, negros, nordestinos, prostitutas. Parece que estamos irremediavelmente predestinados ao esquecimento dos abismos, das lâminas e balas diárias que estilhaçam a virtualidade de nossa cidadania. Logo, tudo não passará de um mero remake, até a fabricação do próximo “Ti-Ti-Ti”.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Os sete pecados da copa

A Copa do Mundo, em versão midiatizada, é negócio, espetáculo, marketing global que atinge as vastas legiões de cidadãos-torcedores-espectadores. A copa mexe com afetos, sentimentos e valores, desperta os pecados e as virtudes capitais. A simbologia dos sete pecados capitais, desde a Idade Média, exerce influência sobre os espíritos. E a nossa Idade Mídia, graças a Deus, é subversiva: reúne tribos de crentes, profanos, fanáticos e ateus. Mas não escapa do julgamento público, que distingue religiosamente os virtuosos e viciados. As imagens hilárias da luxúria estão nos sites pornôs, com fotos & fakes dos jogadores e marias chuteiras; e a parte bizarra do pecado está no seu contrário, na imposição do técnico à temperançaforçada dos jogadores do Brasil, privados de sexo e sorvete nas concentrações. No jargão dos torcedores a gula é sinal de jogador fominha: não divide a bola com ninguém. Mas não há comedimento na fome de imagens da TV. A mídia encarna a metáfora da iconofagia (devoração de imagens). Cria os mitos, mas engole os velhos ídolos do esporte. A imagem da avareza fica registrada na vontade de exclusividade da Rede Globo, na cobertura da Copa. É sinal de egoísmo querer monopolizar o poder de ver e de mostrar; eliminar concorrentes, e reinar sozinha. Então, fica valendo o slogan na internet: #Dia sem Globo! A preguiça era pecado e se tornou doença grave na época do capitalismo, baseado na ética do trabalho, no mérito pelo esforço pessoal. A apatia e a indolência, a moleza não tem lugar no mundo dos esportes. Mas o difícil é voltar ao trabalho depois do jogo. Para as novas gerações do sec 21, estar "irado" tem valor positivo. Porém as imagens da ira, na Copa 2010, vão ficar com o treinador Dunga, famoso como zangado. E a subversão do mau humor explode, em escala global, na "irada" e formidável campanha #Cala a boca, Galvão”. A inveja é cruel: corrói as entranhas do invejoso: quem não aceita a derrota está condenado a passar mal; felizes são os times com o dom do desprendimento, e o oposto disso é a campanha solidária às vítimas das enchentes no Nordeste, inserida no noticiário da Copa. A extrema vaidade, a soberba, é um sentimento menor, que expõe a fraqueza dos atletas deslumbrados, como seres lendários, que se afogam em suas próprias imagens midiatizadas e perdem a chance de fazer o gol. Gloriosamente, a humildade e simplicidade dos novos talentos impõem brilho e veracidade ao esporte, durante a Copa do Mundo 2010.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Twitteromania

Twitteromania



Small is beautiful. Quando escrevo “O pequeno é lindo”, em inglês, isto não é uma cantada no “simpatico” Dunga. Penso antes no twitter, como uma forma minimalista de comunicação que está modificando o cotidiano das pessoas, em níveis locais e globais, aproximando as fronteiras entre indivíduos e culturas. Artistas, políticos, empresários, jornalistas, pesquisadores, estetas, etc., tribos diversas estão em sintonia por meio deste novo dispositivo, que de algum modo, substitui o clássico telegrama. O twitter é ágil, ligeirinho como um trinado de passarinho (o ícone, a figurinha no “cabeçário já traduz essa idéia). Mas o fato é que está modificando as rotinas de produção e consumo das notícias, transformando o trabalho dos jornalistas e derrubando os muros de um sistema que monopolizava a informação para um segmento de letrados. Homens, mulheres, ricos, pobres, jovens, veteranos, todos atuam em comunicação permanente através destes miniblogs (espécies de diários pessoais-coletivos).
Hoje na era da velocidade, e da liquidez readical, quase não temos tempo de reencontrar os amigos, antigos companheiros de jornada: é pela via das redes sociais que encontramos os flashes rápidos, fragmentos de discursos, dos nossos (velhos) conhecidos. Pelos twitters vamos tecendo as nossas redes de socialidade: um trabalho em migalhas. São trinados poéticos, políticos, pedagógicos, publicitários, jornalísticos que vão irrigando os nossos fluxos informativos; fazem parte doravante dos nervos do nosso sistema mental.
Penso no jornalismo como um campo que tem se transmutadodo e se revigorado por todas as arestas do social também pela ação dos twitters. Dos recônditos espaços mais intimistas à midiosfera, espaço público virtualizado pela digitalização, uma imensa rede global vai sendo construída, interligando os seres, os fatos e suas versões dispersos na espessura da vida cotidiana. Anônimos e celebridades participam dessa imensa teia significante, inscrevendo novas projeções através dos trinados, pequenas escritas cibernéticas. Ecos murmurantes para uns, e para outros, oportunidades para a reverberação da vontade de se comunicar, para a representação de si, expressão instantânea dos nosos afetos e desafetos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Alice absurda, fundamental

O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho sendo transportada para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares. Não é uma estória para crianças nem para adultos, muito pelo contrário. Nasce como um romance inglês, de Lewis Carroll, no século XIX, fazendo uma sátira corrosiva da Inglaterra pós-vitoriana e da rainha, é claro. E se irradia pelo mundo inteiro desafiando a imaginação criadora. Pelas lentes de Walt Disney, ganhou cores, sons, animações fantásticas deslumbrando o público infanto-juvenil do planeta. Mas quase nada se compara com a grande revolução das artes visuais como os filmes em 3D. Imersão pura, envolvimento total. Arrebatamento dos espíritos por meio de tecnologias sensíveis e arrojadas. Um absurdo necessário e fundamental, numa era tão previsível e conformista como a nossa.
Tem uma dimensão de Alice ligada às coisas encantadas e maravilhosas que vai ganhar uma paulada, num filme ácido chamado “Alice não mora mais aqui”; algo que se pode entender como “Amélia não era mulher de verdade”. Estranhamento absoluto, como requer a grande arte. Mas essa é uma outra estória. Por que depois de Tim Burton (autor de O estranho mundo de Jack, Eduardo Mãos de Tesoura e Noiva Cadáver, entre outros), Alice nunca mais será a mesma. Não é mais menina, é moça feita, e ridiculariza pra valer a aristocracia careta londrina: xou de bola!
O elenco é supimpa! Com a novata australiana Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter (como a Rainha de Copas), Anne Hathaway (como a Rainha Branca), mas Quem rouba a cena? John Deep, como o chapeleiro maluco, é claro. Impagável com a cara hilariante de Madona e dançando como Michael Jackson.
Contudo, para além das ideologias e mitologias da cultura de massa, Alice tem que ser visto em terceira dimensão. Também porque depois de Avatar, nada (no cinema) será como antes. É por aí que a gente fica grande e fica pequeno, e se permite contemplar o mundo por outro ângulo. Se Giotto transformou a história da pintura, inventando a perspectiva, o cinema em 3D inaugura uma nova maneira de ser assistir aos filmes: volume, textura, altura, profundidade. Vale a pena ver Alice e o seu séquito de personagens fabulosos, como o gato risonho, a lagarta fumante, os gêmeos gordinhos e o coelho apressado: uma viagem básica para muito longe deste insensato mundo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Ética e os buracos negros

A inspiração hoje vem da Física pós-Einstein, a teoria do caos, os buracos negros, o vazio e o entendimento do mundo por outra perspectiva, para além das religiões e das ciências herméticas tradicionais. O grande desafio no terceiro milênio é entender as tribos humanas e a ética no contexto de um mundo em desequilíbrio: Koyaanisqatsi (para quem entende): Jean Baudrillard diria que o mundo não vai se acabar: de alguma forma aquele mundinho que conhecíamos desde a escola e a igreja, já se acabou. Num tempo de terremotos, tsunamis, desequilíbrio ecológico, violência extrema, narcotráfico global, o desafio que se coloca é situar os humanos, os grupos sociais numa época em que tudo aparentemente acontece muito depressa e tudo isso mexe muito com os nossos afetos, nossos medos e a nossa dificuldade de amar ao próximo como se não houvesse amanhã. Os ecos do dramaturgo irlandês Samuel Beckett emanam de longe atualizando a grande questão do Ser diante do Nada: a imagem forte é aquela dos dois vagabundos solitários buscando um sentido para a vida, numa terra devastada: Esperando Godot. Cade Godô? Cada Deus? Cade o amor da humanidade, numa época aterrorizada pelos Nardoni, Bin Laden, Bush, e outras coisas sinistras. Nem simples, nem tão complexo. O segredo de polichinelo é reinventar a vida para além da maldição dos Big Brothers, do Jornal Nacional, da Record e dos nefastos pastores eletrônicos. ECA! Existe incomunicabilidade, como revelam as tramas do Teatro do Absurdo, dentro e fora do vídeo, mas existe também – como me ensinaram as deusas Simone Maldonado e Fátima Chianca – a Comunicação da Chama Sagrada, para além de Indiana Jones e os Templos da Maldição. Ética, ethos, Mínima Moralia, respeito, carinho, misericordia e afetividade, sem querer nada em troca. Eis ae a chave, abrindo as portas para o entendimento do amor, o desamor e outras calamidades, numa época tão assustadoramente estranha. Está no cinema, este farol resplandescente, desde Chaplin, Fellini, Pedro Almodovar etc. Abril me parece um mês encantado desde o seu sentido semântico até as ressonâncias da primavera nos países gelados. Luzes, cores e novos sonhos de felicidade, tudo tão bem delineado nos quadros fantásticos de Flávio Tavares e Alberto Lacet, assim como as escrituras sensíveis do jovem poeta Archidi Picado.